A economia política de Benjamin Tucker representa uma condensação de suas maiores influências, sintetizando o trabalho de pensadores radicais como Josiah Warren, William B. Greene, Ezra Heywood e Lysander Spooner para chegar a um anarquismo maduro e completo. De Heywood, Tucker extraiu sua análise dos males da renda (rent), dos juros e dos lucros, “seguindo os dizerem que Ezra Heywood gravou em sua escrivaninha em letras garrafais: ‘juros são roubo, rendas são saques e os lucros são apenas outro nome para pilhagem'”.[1] Josiah Warren deu a Tucker a convicção na soberania individual, uma hostilidade em relação a toda tentativa de “reduzir o indivíduo a uma mera peça dentro de uma engrenagem” e à tentativa de chegar a reformas através de “combinações” coercitivas. Para a reforma de livre mercado do sistema monetário e bancário, Tucker aprendeu com William B. Greene, cujo trabalho articulava um esquema bancário baseado na emissão livre e aberta de meios circulantes. Foi Greene que, em 1873, introduziu ao jovem Benjamin Tucker o trabalho de Pierre-Joseph Proudhon, conhecido pessoal de greene e o primeiro a chamar a si mesmo de anarquista.[2] Greene ainda estimulou Tucker a empreender a primeira tradução para o inglês da obra O que é a propriedade? de Proudhon, um trabalho publicado pela Co-operative Publishing Company de Ezra Heywood. Em Tucker, todas essas influências se uniram e formaram um só movimento encabeçado por seu jornal Liberty.
É interessante notar que a carreira de Tucker na política radical continuava enquanto ele trabalhava para publicações mais convencionais. Em 1943, num artigo para o The New England Quarterly, Charles A. Madison observava “o respeito mútuo entre Tucker e seus empregadores” no Daily Globe, apesar da defesa determinada de Tucker do anarquismo em uma época que testemunhava campanha de “intensidade histérica” contra esse pensamento. É inegavelmente difícil imaginar um jornal de qualquer tamanho ou reputação que abrigasse alguém abertamente anarquista hoje em dia no seu corpo editorial. Apesar das pretensões atuais de abertura e liberalidade, é quase certo que a elite intelectual e literária atualmente impede críticas e questionamentos a suas ortodoxias preferidas e às políticas do status quo muito mais do os letrados da segunda metade do século 19. Tucker foi respeitado por seus colegas do Globe por não menos que onze anos, até mesmo quando ele passou a se envolver ainda mais no ativismo radical, desde sua ajuda a Ezra Heywood com a publicação de The Word até a edição de seu próprio Radical Review. Mais tarde, após começar a publicação do Liberty, Tucker trabalhou como editor para a Engineering Magazine em Nova York, “se recusando a escrever artigos que pudessem comprometer seus princípios anarquistas”.[3]
Na primeira edição de Liberty em 1881, Tucker anunciava a raison d’être do jornal e suas visões políticas e econômicas ao escrever que “o monopólio e os privilegiados devem ser destruídos, as oportunidades devem ser fornecidas e a competição estimulada”. Ainda assim, como Proudhon, de quem Tucker tirou tantas ideias sobre a moeda e a reforma bancária, Tucker defendia que os vários arranjos econômicos a que se opunha deveriam “permanecer livres e voluntários para todos”. Com os portões da competição abertos para todos e as “forças perturbadoras”[4] dos privilegiados abolidas, essas formas de exploração se tornariam, de acordo com ele, praticamente impossíveis: “Se o poder de usura fosse estendido a todos os homens”, como Tucker alegava que deveria, “a usura devoraria a si própria, por sua natureza”. O papel do estado, assim, era o de isolar os poucos detentores privilegiados do capital, que vivem “luxuosamente com o suor do trabalho de seus escravos artificiais”, dos efeitos salutares da competição.
A coerência de Tucker e sua habilidade em expor os absurdos dos poderes político e econômico têm muito a ensinar ao movimento libertário atual. Se estivesse vivo hoje em dia, Tucker veria privilégios, subsídios corporativos e interferências à liberdade em todo lugar. Os relacionamentos econômicos atuais não são mais naturais ou inevitáveis que as condições da velha escravidão, embora seus apologistas insistam que sua própria existência seja prova de sua justeza. Tucker era um economista político visionário porque imaginava que as coisas podiam ser diferentes, denunciando as explicações improvisadas dos economistas liberais e desafiando-os a levar suas ideias liberais — que cresciam em popularidade — a seus limites lógicos. “O anarquismo genuíno é consistente com o manchesterismo”, dizia ele em uma citação famosa. Para Tucker, a política e a economia eram inseparáveis, as questões de uma necessariamente tinham implicações sobre a outra; ele considerava o capitalismo um sistema de exploração criado pelo estado — ou seja, pela agressão ou pela força contra o indivíduo soberano. As ideias políticas trabalhistas de Tucker, porém, eram ainda distintas — e talvez diferentes das ideias atuais do movimento trabalhador radical — porque rejeitavam os capitalistas sem advogar a propriedade ou organização coletiva do capital, identificavam a exploração sem condenar a competição e defendiam os trabalhadores sem necessariamente denunciar os trustes (ou “combinações industriais”), tendo uma relação tépida com os sindicatos.
Tucker argumentava que os esforços para obstruir ou proibir qualquer tipo de combinação ou associação voluntária eram tentativas autoritárias de exercer controle, intoleráveis ao anarquismo, não importando suas boas intenções. Ele não via nada de essencial ou necessariamente errado com a venda do trabalho em troca de um salário — chegando ao ponto de alegar que o anarquismo socialista não “pretendia abolir salários, mas garantir para todo assalariado seu salário integral”. O socialismo de Tucker era diretamente baseado na noção de que o trabalho deveria ser pago com seu produto completo; o fato de que o trabalho não era pago era, efetivamente, todo o problema. A propriedade governamental dos meios de produção defendida pelo socialismo de estado não era uma forma de atingir esse objetivo, mas era simplesmente uma nova forma de escravização parecida com a antiga. Em última análise, o estado seria sempre uma instituição composta pela classe dominante e a serviço dessa classe.
A economia de Tucker, além disso, rejeitava distinções fáceis e superficiais, como, por exemplo, a diferenciação arbitrária e não-sistemática entre o capital e o produto[5] e, como observado acima, entre política e economia. Qualquer consideração integral do “problema industrial” não poderia depender simplesmente de uma análise das leis das trocas, como se essas leis operassem em um vácuo, independentemente das realidades legais e políticas. Como uma das maiores influências de Tucker escreveu, a “economia política, até hoje, tem sido pouco mais que uma série de engenhosas tentativas de reconciliar as prerrogativas de classe e o arbitrário controle capitalista com os princípios das trocas”. O erro central da economia política burguesa na época de Tucker é idêntico ao erro principal do libertarianismo atual — sua ignorância crítica da existência de inúmeras e constantes violações dos princípios de livre mercado que são expostos. Tanto na época quanto atualmente, os economistas de livre mercado afirmam que que as questões políticas e econômicas devem ser tratadas em conjunto e que os direitos econômicos são direitos políticos para, logo em seguida, mudarem de ideia e passarem a discutir as condições econômicas e os relacionamentos atuais como se fosse consequências legítimas de trocas e formas de propriedade de mercado.
A precisão analítica de Benjamin Tucker não era sujeita tão facilmente a confusões a ponto de permitir que ele fosse ludibriado pelos defensores do capitalismo e pensasse que os relacionamentos de livre mercado seriam similares aos relacionamentos dentro do capitalismo. Tucker não acreditava que a sujeição acachapante dos muitos pobres aos poucos abastados proprietários havia surgido a partir de um laissez faire verdadeiramente livre. Como observa “An Anarchist FAQ”, “embora uma anarquia individualista fosse ser um sistema de mercado, não seria um sistema capitalista”. Tucker nunca recuou de sua defesa da competição ou viu necessidade de diluí-la. Ele também nunca admitiu que a exploração era possível sem agressão ou invasão, ou aceitou que o comércio equitativo e a justiça para o trabalhador só poderiam ser alcançados através de reformas legislativas. Sua total ausência de fé em qualquer reforma legal ou governamental às vezes criava um abismo entre as ideias de seu jornal Liberty e o resto do movimento trabalhador, embora ele sempre reconhecesse que o anarquismo e o socialismo fossem “exércitos que se sobrepõem”. De fato, Tucker oferecia o que eu ainda considero a melhor definição do socialismo — ou talvez como a melhor versão do socialismo —, “a crença de que o próximo passo mais importante para o progresso é uma mudança no ambiente do homem de forma que sejam abolidos todos os privilégios que os detentores da riqueza possuem, retirando assim seu poder antissocial para compelir o pagamento de tributos”. Tucker, portanto, não presumia posições necessárias contra alvos populares do movimento trabalhador como o trabalho assalariado ou mesmo os grandes trustes. Alegava que, contanto que o princípio anarquista da igual liberdade fosse sempre observado, “não faria diferença se os homens trabalhassem para si mesmo, se fossem empregados ou empregassem os outros”. A riqueza sem o trabalho — ou seja, a renda, os juros e os lucros — eram os fenômenos econômicos a que os anarquistas deveriam se opor e eles, segundo Tucker, dependiam sempre da agressão.
É um tanto irônico que as escolas de livre mercado que mais alto trombeteiam o individualismo metodológico e sejam as mais céticas ao empirismo desprezem até mesmo a menor das possibilidades de que a completa liberdade de trocas e comércio não leve a um ambiente que seja reconhecível como capitalista. Dado que a economia existente está muito longe de um mercado verdadeiramente livre, nós devemos nos perguntar o que os deixa tão certos de que os anarquistas individualistas como Tucker eram apenas néscios economicamente ignorantes. Não precisamos depender de qualquer teoria do valor-trabalho para concluir com segurança que as desigualdades e concentrações de riqueza dependem principalmente dos privilégios legais a que os portadores do estandarte do laissez faire afirmam se opor. Os anarquistas individualistas, além disso, entendiam a importância teórica da utilidade marginal muito bem, como já observei em outra ocasião. Ao contrário da caricatura de sua visão, a teoria do valor-trabalho que articulavam era perfeitamente reconciliável com a teoria subjetiva do valor e pretendia explicar algo diferente e mais abrangente do que a simples proposição de que tudo vale apenas o que alguém está disposto a pagar — o que, evidentemente, é impossível refutar. A crítica importante e substantiva contida na economia política de Tucker é descartada com frequência por depender de uma falácia econômica já desacreditada, sem considerar seus muitos argumentos e implicações. A coerência de princípios era uma das preocupações principais de Benjamin Tucker e do jornal Liberty e é algo que recai sobre os individualistas de esquerda e membros do C4SS hoje em dia. Tucker sugeria que a “anarquia pode ser definida como a posse da liberdade por libertários — isto é, por aqueles que conhecem o significado da liberdade”. Essa questão, o significado da liberdade, é o que nós, enquanto anarquistas, tentamos responder. Para muitos, a vida e o trabalho de Benjamin Tucker têm sido o norte dessa jornada, uma referência e inspiração perene.
Notas:
[1] Martin Blatt, “Ezra Heywood & Benjamin Tucker.”
[2] Em uma edição de 1887 de Liberty, Tucker escreveu “[Graças] ao coronel Greene, leio a discussão de Proudhon com [Frédéric] Bastiat sobre a questão dos juros e seu famoso O que é a propriedade? e grande foi minha surpresa ao encontrar dentro desses trabalhos, mas apresentados em termos muito diferentes, ideias idênticas às que eu já havia aprendido com Josiah Warren e que, desenvolvidas independentemente por esses dois homens, serão tão fundamentais em mudanças sociais futuras quanto foi a lei da gravidade em todas as revoluções das ciências físicas que se seguiram à sua descoberta — refiro-me, naturalmente, às ideias de liberdade e equidade.”
[3] Wendy McElroy, “Benjamin Tucker, Liberty, and Individualist Anarchism.” Nota de rodapé 6.
[4] John Beverley Robinson, Economics of Liberty.
[5] “Proudhon ridicularizava a distinção entre o capital e o produto. Mantinha que capital e produção não diferentes tipos de riqueza, mas apenas condições alternativas ou funções da mesma riqueza; que toda a riqueza passa por transformações incessantes de capital a produto e de produto de volta a capital, em um processo interminável; que o capital e produto são termos puramente sociais; que o que é produto para um homem imediatamente se torna capital para outro, e vice versa; se existisse apenas uma pessoa no mundo, toda a riqueza, para ele, seria ao mesmo tempo capital e produto (…)” — Benjamin R. Tucker.