Notícias recentes demonstram, mais uma vez — se é que era necessário — que o “consentimento dos governados” como legitimação da democracia representativa é impossível e absurdo.
Na Carolina do Norte, o governador Pat McRory assinou a Lei de Modernização da Energia, que inclui um artigo que proíbe (na versão final da lei, devido à repercussão negativa, a infração deixou de ser crime e passou a ser contravenção) a divulgação das substâncias químicas usadas na fraturação hidráulica (“fracking“).
Enquanto isso, a administração Obama recorreu à Suprema Corte para contestar uma interpretação da Lei de Proteção aos Delatores, que protege os funcionários estatais que liberam informações ao público.
A legislação da Carolina do Norte não é novidade. Ela segue o exemplo das legislações de outros estados americanos que tornam crime a filmagem de tratamentos cruéis aos animais e outras práticas antiéticas do agronegócio. Também se deve lembrar que a BP, depois da explosão da plataforma de petróleo Deepwater Horizon, se recusou a divulgar a composição dos agentes de dispersão que estava jogando no Golfo do México afirmando que eram “informações proprietárias”.
Primeiramente, o próprio conceito de “informação proprietária” é absurdo. E é triplamente absurdo quando uma empresa pode utilizá-lo como escudo legal para jogar toneladas de substâncias tóxicas no oceano e nos lençóis subterrâneos, podendo contaminar nossos aquíferos, sem dizer o que estão fazendo. Não só a liberação dessas informações não deveria ser crime, mas em uma sociedade livre, os habitantes locais poderiam — e deveriam — exigir divulgação imediata das substâncias jogadas no ar e na água pelas empresas de energia em um processo civil, podendo fechá-las imediatamente se elas se recusarem a obedecer.
A posição do Departamento de Justiça da administração Obama também é familiar. Obama tem um histórico pior que o de George W. Bush de perseguição de delatores e de sabotagem velada aos pedidos da Lei da Liberdade de Informação. O governo de Obama também condenou Chelsea Manning a 30 anos na Penitenciária de Leavenworth — por ter revelado ao povo americano os crimes de guerra e a desonestidade diplomática que caracteriza o “nosso” governo — e persegue Edward Snowden até os confins do mundo por ter feito revelações similares sobre a vigilância da NSA.
Um conceito importante na teoria organizacional, ao considerar o relacionamento de poder entre um diretor e um agente é o risco moral. Quanto menos informações os diretores têm a respeito das ações dos agentes, há mais espaço para o risco moral — isto é, para que o agente tire vantagem das informações limitadas de que o diretor dispõe e promova seus próprios interesses pretendendo servir ao diretor. Quanto menos o diretor sabe sobre o que o agente faz, menos importante é sua posição de gerência.
O problema do risco moral ocorre em todas as relações entre agentes e diretores e se torna mais severo com a diminuição do conhecimento dos diretores a respeito das atividades diárias dos agentes. O resultado em todas as instituições representativas é o que Robert Michels chamou de Lei de Ferro da Oligarquia: a tendência de o poder ser transferido dos delegadores aos delegados, dos diretores aos agentes, dos eleitores aos representantes. Não importa quem sejam os agentes em posições de liderança que uma instituição afirme representar — eleitores, acionistas ou qualquer outro grupo —, seu acesso a informações internas e seu controle sobre a execução dos planos efetivamente anula qualquer controle real que aqueles de fora afirmem ter.
Evidentemente, quando o “agente” tem autoridade para decidir o que o “diretor” tem ou não tem direito de saber sobre suas atividades e de punir seus subordinados por vazar informações, a ideia de que o agente deriva sua autoridade do diretor é uma farsa absoluta.
Essas notícias recentes demonstram amplamente esse fato. Como afirmou Marja Erwin em resposta a alegações de que Chelsea Manning fosse uma “traidora” por divulgar segredos governamentais ao público (para o qual o governo deve explicações, em tese), “consentimento requer igualdade. Enquanto o estado mantiver segredos e tiver poder sobre os governados, não há possibilidade de consentimento ou legitimidade”.
A não ser em uma democracia direta em que todas as decisões sejam tomadas diretamente pelos governados, é impossível conceber um governo ou instituição representativa que não controle as informações disponíveis aos “representados”. A maior expressão da democracia direta é uma sociedade sem estado e instituições hierárquicas, onde todas as decisões sejam tomadas pelos indivíduos ou por associações voluntárias dos afetados por elas.
Traduzido para o português por Erick Vasconcelos