Com o início da Copa do Mundo, volta a discussão: como protestar contra os abusos cometidos pelo estado na realização desse megaevento?
Podemos nos remeter à tradição de Henry David Thoreau. Thoureau criticava a postura de que devemos esperar que a maioria mudasse uma lei ou uma atuação governamental injusta, porque um homem deve viver pela sua consciência, não pela vontade da maioria.
Por isso, “quando o próprio atrito [da injustiça] chega a construir a máquina e vemos a organização da tirania e do roubo, afirmo que devemos repudiar essa máquina”. Referia-se à escravidão e à guerra contra o México nos Estados Unidos de sua época, que o levaram a parar de pagar impostos.
Já Lysander Spooner ensina como resistir ao estado pacificamente, por meio do mercado. Como jurista, defendeu a inconstitucionalidade do monopólio dos correios pelo governo federal dos Estados Unidos. Mas, como Thoureau, não se resumiu apenas às palavras e a esperar que a maioria fizesse algo.
Spooner, em 1844, abriu uma empresa de correspondência, a American Letter Mail Company, muito mais eficiente e com menores preços do que o monopólio governamental, o U. S. Postal System! Apesar da determinação do governo em fechá-la, o que conseguiu fazer em 1851 com a aprovação de uma lei mais rigorosa, que afastava as “brechas” que permitiram que Spooner obtivesse vitórias judiciais temporárias, a ação rendeu frutos: o governo foi forçado a baixar os preços de seu sistema de correio pela pressão da concorrência de um resistente civil!
Como fazer algo parecido em protesto durante a Copa?
Transgredindo as zonas de exclusão comercial, criadas por lei em proveito da FIFA e das suas empresas parceiras, que dão a elas a exclusividade territorial de comércio e publicidade. Esses locais devem ser ocupados pelo comércio ambulante, por bazares e outros estabelecimentos não-filiados à FIFA, ignorando o estado brasileiro e seus monopólios legais.
Um recurso útil seria o “ativismo de projeção” – isto é, usar projetores com mensagens de denúncia ao abuso da copa e chamando atenção para todas as vítimas que tiveram seus direitos violados. Além disso, os inevitáveis abusos policiais e a opressão contra as manifestações livres durante a Copa podem e devem ser registrados pelas câmeras de celulares.
Como afirmou Augusto de Franco sobre a ocupação e construção de espaços públicos pelo comércio livre:
“[Tudo] isso é reconfiguração de um ambiente hierárquico regido por modos autocráticos no sentido de mais rede (mais distribuição, mais conectividade, mais interatividade) e mais liberdade. Não há outro caminho para fazer isso a não ser a desobediência civil e política.”
Se essa “desobediência civil empreendedora” acontecesse em larga escala, um importante passo rumo à liberdade das estruturas coercitivas do estado teria sido tomado. Porque a ocupação desses espaços públicos com comércio livre e trocas voluntárias, afrontando o monopólio territorial concedido à FIFA pelo estado, seria a inversão da mentalidade que, em primeiro lugar, permitiu a retirada de nossas liberdades e enfraqueceu o potencial libertador das redes de cooperação voluntária.
Para citar novamente Augusto de Franco, revolução social “não é a conquista de algum palácio de inverno e nem a vitória eleitoral contra ‘as elites’! Não é a troca dos ocupantes do Estado, mas algo que acontece na intimidade da sociedade, alterando os fluxos interativos da convivência social e mudando comportamentos”.
A liberdade individual e a libertação da pobreza e da exploração política só serão alcançadas por meio da ampliação e do esclarecimento das redes de cooperação social voluntária e de comércio livre. Parafraseando Thoureau, esse é o contra-atrito que impedirá o funcionamento da máquina e deterá sua injustiça.