As trocas mútuas são o objetivo do Centro em dois sentidos — nós defendemos uma sociedade baseada na cooperação pacífica e voluntária e buscamos estimular o entendimento através do diálogo contínuo. A série Mutual Exchange dará oportunidades para essa troca de ideias sobre questões que importam para os nossos leitores.
Um ensaio de abertura, deliberadamente provocador, será seguido por respostas de dentro e fora do C4SS. Contribuições e comentários dos leitores são muito bem vindos. A seguinte conversa começou com um artigo de Joseph S. Diedrich, Propriedade privada, dos males o menor. Cory Massimino e Diedrich prepararam uma série de artigos que desafiam e exploram os temas apresentados no primeiro artigo. Ao longo da próxima semana, dia sim, dia não, o C4SS publicará uma de suas respostas. A série final poderá ser seguida sob a categoria “Propriedade privada: Como, quando e por quê“.
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Que motivos as pessoas têm para respeitar os direitos de propriedade? Não é uma questão fácil, dado que teóricos políticos e filósofos discutem o tema há séculos. Num excelente e importante artigo, Joseph Diedrich argumenta:
“O direito à propriedade privada não é um axioma intuitivo e natural […]. Pelo contrário, a propriedade privada evoluiu como o melhor e único método de alocação pacífica de recursos.”
Eu concordo com essa conclusão. Os libertários frequentemente tratam a propriedade privada como uma regra basilar, que pressupõe todos os seus argumentos. É uma abordagem incorreta, já que precisamos justificar a propriedade privada de alguma maneira. Como Joseph afirma: “A propriedade privada não é moralmente boa ou meritória em si mesma, mas apenas enquanto for a melhor ferramenta para evitar conflitos dada a realidade de escassez do mundo físico.” No entanto, eu acredito que há alguns motivos para respeitar os direitos de propriedade que transcendem seus efeitos socialmente positivos.
É vital não esquecer o argumento excelente e absolutamente correto avançado por Joseph de que a propriedade privada é o único método através do qual as pessoas são capazes de interagir e alocar recursos escassos. Seria estranho se ignorássemos grandes trabalhos como Ação Humana e Man, Economy, and State, que mostram como e por que os direitos de propriedade são importantes e necessários para uma sociedade funcional e próspera. Contudo, seria igualmente estranho se ignorássemos os muitos trabalhos que explicam por que as pessoas têm direitos morais inerentes à propriedade, como A ética da liberdade ou os Dois tratados sobre o governo.
Antes de responder se há um bom motivo para respeitar a propriedade privada além de considerações consequenciais, temos que nos perguntar: Existem bons motivos para respeitar a soberania individual além de considerações consequenciais? Parece evidente que há. Aparentemente, todo o projeto libertário e anarquista se baseia na ideia de que existe um certo valor moral em cada indivíduo, por sua própria natureza, que torna os estados e as hierarquias opressivas injustas.
Eu não dirijo até a casa de Joseph e dou um soco em sua cara não só porque considerei as consequências ruins que isso traria para mim ou para a sociedade. Eu devo respeitar sua autonomia por causa da natureza dele e da minha. Recorrer à coerção e abandonar o uso da razão seria o mesmo que me voltar contra minha natureza racional e agir de forma sub-humana. Eu não devo tratá-lo como meio para meus fins, mesmo se eu conseguisse extrair bons resultados dessa ação. O fato de chamarmos essa ideia de “auto-propriedade” não tem grande importância aqui. Pretendo simplesmente estabelecer que há motivos morais para respeitar a autonomia pessoal e não cruzar as “fronteiras” das pessoas sem suas permissões, além de considerações consequenciais.
Porém, por que isso significa também que as pessoas são obrigadas a respeitar a propriedade privada? Suponhamos que eu tenha decidido preparar uma pizza. Juntei a massa, o queijo e o molho e a preparei passo a passo. Trabalhei por horas nessa pizza e justo quando eu ia dar uma mordida, Joseph aparece e a toma. Ele leva todas as oito fatias. Pode ser que ele não deva fazer isso porque essa ação — e a regra associada a essa ação — resultaria em más consequências sociais. Mas, além disso, pode-se dizer que Joseph tenha violado minha autonomia pessoal? Ele teria invadido minha “fronteira”, apesar de não ter encostado as mãos em mim?
Parece implausível dizer que ele não tenha simplesmente porque a pizza era algo externo ao meu corpo físico. Eu passei todo o dia preparando a pizza e ela me foi tomada. Alterei a matéria física para criar algo novo, algo delicioso. Embora façamos isso a todo momento com objetos externos, também o fazemos com nossos corpos. As partículas que formam nosso corpo atualmente nem sempre estiveram lá. Nós ganhamos constantemente partículas novas e perdemos as velhas. Nos apropriamos de matéria externa e as tornamos parte de nós. Tornamos essas partículas parte de nossos projetos.
É exatamente isso que eu fiz com a massa, o queijo e o molho. Utilizei partículas anteriormente sem dono ou trocadas por algum outro bem e as tornei parte de meu projeto. O projeto de comer pizza. A propriedade externa com que misturamos o nosso trabalho e de que nos apropriamos é uma extensão de nossa fronteira individual. Se você não respeitar minha propriedade justamente adquirida, você não respeitará minha autonomia pessoal.
Joseph está certo ao afirmar que temos bons motivos para respeitar a propriedade privada, dadas as suas consequências sociais positivas. O sistema de propriedade privada é vital à cooperação social e à alocação eficiente de recursos. Contudo, isso não é tudo. Temos outros motivos para respeitar a propriedade privada também. A matéria que é alterada e usada para nossos projetos é uma extensão de nossas individualidades. Assim como temos bons motivos para respeitar a autonomia individual a despeito das consequências, temos bons motivos para respeitar as propriedades das pessoas a despeito das consequências.
Traduzido do inglês para o português por Erick Vasconcelos.