Na última sexta (28/03), Rodrigo Constantino, em seu blog no site da revista Veja, teceu um estranho comentário: “Não tenho dúvidas de que ‘garotas direitas’ correm menos risco de abuso sexual.”
A frase repercutiu e indignou muitos nas redes sociais, especialmente por ter se seguido à pesquisa do IPEA, em que 58,5% dos entrevistados concordaram com a frase “Se as mulheres soubessem se comportar haveria menos estupros”.
É verdade que Constantino considerou que o resultado da entrevista era um atraso civilizatório e que a cultura machista ainda é forte no Brasil. Contudo, não percebe que sua mensagem acabou por ser cúmplice dessa cultura nociva. A citação, em contexto, é a seguinte:
Enquanto a cultura do machismo não desaparece, e a punição exemplar não vem, seria recomendável, sim, que as moças apresentassem um pouco mais de cautela, mostrassem-se um tiquinho só mais recatadas, e preservassem ligeiramente mais as partes íntimas de seus corpos siliconados. Não tenho dúvidas de que “garotas direitas” correm menos risco de abuso sexual.
Constantino comete a falácia de moralizar a explicação para o estupro. Façamos uma comparação: digamos que trabalhadoras do sexo têm maior chance de serem estupradas do que a média das mulheres. Essa é apenas uma questão empírica, de apontar se a prestação de serviços sexuais pode ser um fator de risco, tendo em vista as circunstâncias em que o serviço é prestado.
Agora imagine que falemos o seguinte: “As trabalhadoras do sexo, por estarem agindo imoralmente, têm maior chance de serem estupradas, enquanto as ‘mulheres direitas’, por estarem agindo moralmente, tem menor chance de serem estupradas”. Acrescentar que seja imoral o comportamento da mulher não agrega nada à explicação e, pior, parece tornar o “ter menos chances de ser estuprada” algo meritório, moralizado. Trata-se de uma instância sutil de slut-shaming.
Sarah Skwire observa corretamente que um dos elementos da “cultura do estupro” são argumentos como “a vítima não deveria estar naquele lugar/beber/usar essa roupa/ir a essa festa”.
Como Charles Johnson destaca, nisso se vê a “lei não escrita do patriarcado”: a cultura coloca a mulher em posição de dependência pela interação entre a violência perpetrada por alguns homens e a tentativa de proteção e controle por outros. Os dois comportamentos se combinam para impor regras sobre a vida pessoal das mulheres, limitando sua liberdade. Moralizar a explicação do estupro faz parte desse círculo vicioso.
Constantino poderia dizer: “Mulheres que não saem de casa têm menos chance de serem estupradas”. Depende. Se for estupro por familiares ou conhecidos, essa frase se torna falsa. Ele poderia dizer: “Mulheres que não bebem têm menos chances de serem estupradas”. Ok, mas só se ele estiver falando do estupro cometido contra uma mulher embriagada. Não há como generalizar.
Estamos num mundo onde mulheres são enganadas com propostas falsas de emprego em outro país e forçadas à prostituição; onde uma mulher pode ser estuprada, apenas porque estava voltando do trabalho tarde da noite; onde uma mulher pode ser estuprada porque sua casa foi assaltada; onde há prostituição infantil e assédio sexual; onde uma menina pode ser colocada em uma cadeia com vários homens pelos agentes do estado; onde um conselho comunitário pode condenar uma menina a um estupro coletivo corretivo; onde uma mulher pode estar no meio da guerra e não ter para onde fugir; onde uma mulher pega uma van com o namorado para se deslocar sem saber quem está dentro dela; onde há familiares, conhecidos e parceiros sexuais mal intencionados.
Em um mundo onde mulheres podem ser estupradas apenas por serem mulheres, Constantino deveria, pelo menos, se retratar de sua moralização inócua.