De Jason Lee Byas. Artigo original: Agorism: Libertarian Politics Beyond Policy, de 3 de setembro de 2016. Traduzido para o português por Gabriel Camargo.
Frequentemente, os libertários trabalham para atingir seus objetivos fazendo campanha para políticos ou medidas eleitorais que prometem implementá-los. Agoristas trabalham para alcançar seus objetivos trabalhando para alcançá-los.
Agorismo é política libertária além das políticas.
É o familiar foco de libertação individual, respeito às pessoas e a seus direitos de propriedade, o processo de mercado e o poder da ordem espontânea da livre associação – encarados além da limitante meta de mudança das decisões políticas. Constitui um libertarianismo em contato direto com a sociedade, não mediado pela tradicional estrutura do processo político e sua estrutura de políticas.
Muito disso é óbvio para todos aqueles com certo grau de familiaridade com o agorismo, contraeconomia, ação direta e conceitos correlatos. No entanto, tentarei mostrar aqui o quão radical é a quebra agorista frente à forma que mesmo muitos libertários encaram a política.
I. A Estrutura de Políticas
Vamos dar um passo atrás. Do que se trata a “estrutura de políticas” que o agorismo desconsidera? A estrutura de políticas, como a descrevi em outro momento, é “a linha de pensamento que assume ser nosso objetivo primordial a mudança das políticas implementadas pelo estado – por exemplo, descriminalizar as drogas ou deixar de prender seus usuários.” Em nível ainda mais básico, a estrutura de políticas se refere à fusão entre estado e sociedade que todos os libertários leitores de Bastiat seriamente criticam. É o equívoco entre o que dizem as leis de uma classe dominante sobre a sociedade, e como ela é de fato. É o assumir que as metas políticas se transformam automaticamente, ou que simplesmente sejam, as metas das políticas.
Para melhor explicar o que é a estrutura de políticas e o que há de errado com ela, convém observar como ela se manifesta (geralmente de uma forma mais completa) nos não libertários.
As pessoas estão preocupadas com violência armada, então elas instituem controle de armas. As pessoas estão preocupadas com trabalhadores presos em empregos horríveis e com péssimos salários, então elas elevam o salário mínimo. Elas estão horrorizadas pelos efeitos da dependência química, então aumentam a repressão na guerra às drogas.
Estão sempre clamando para se “fazer algo”, esse “algo” se tratando de uma mudança nas políticas estatais que adequadamente manifeste suas insatisfações. A sociedade se estressa por meio de suas leis, para os que firmemente se apegam ao sistema de políticas. Por exemplo, o radical que se opõe à expansão de leis contra crimes de ódio podem comumente soar, para aqueles que operam nesse sistema, de forma idêntica aos preconceituosos que apenas não se importam com as vítimas desse tipo de crime. Os verdadeiros efeitos das leis são vistos como menos importantes que seu significado expresso pretendido.
Os verdadeiros efeitos são menos relevantes em parte devido ao motivo do sistema de políticas envolver uma forma quase mágica de se pensar. Uma lei bem escrita automaticamente entra em vigor no mundo real assim que é aprovada, com os efeitos mais ou menos pretendidos sendo materializados. Os legisladores são feiticeiros cuidadosos, encontrando as palavras certas para o feitiço certo. Quando encontram o tipo certo de legislação antiarmas, isso fará com que, de repente, as armas desapareçam. Elas simplesmente desaparecerão das mãos dos futuros criminosos, que não as encontrarão de outra forma, e não haverá efeitos notáveis além do que foi pretendido. Isso não quer dizer que duas pessoas comprometidas com as políticas não podem discordar sobre o assunto. Claro que podem – alguns podem rejeitar a proposta estritamente se baseando nos direitos. Mas todos assumiriam que a lei seria implantada como foi escrita. Nenhum acharia que a proposta de fato aumentaria a violência armada. Nem os lados seriamente considerariam a possibilidade – mesmo que soubessem no abstrato – que a política significaria o futuro encarceramento em massa de, desproporcionalmente, pessoas de cor.
Certamente, poucos acreditam nas políticas por completo, mas muitos se aproximam. Alguns proponentes do salário mínimo, por exemplo, não são totalmente ignorantes de seus não planejados ou indesejados efeitos exatamente às pessoas que pretendem ajudar. Em vez disso, subestimas suas consequências por estarem cegas por suas promessas.
Muito do que escrevi até aqui é corriqueiro para leitores os libertários. O fiz, contudo, para mostrar que mesmo os libertários caem nessa armadilha. “Acordos de Livre Comércio,” por exemplo, parecem algo óbvio para um libertário – a abertura de mercados é sempre bem-vinda. O diabo está nos detalhes, com os acordos muitas vezes também elevando o monopólio intelectual em escala internacional. Em outras palavras, os libertários cativados pelas propostas de comércio livre dos acordos se encontram trabalhando para reforçar o protecionismo sem fronteiras.
II. O Suave Murmúrio da Libertação Pelo Sistema de Políticas
Há também um nível ainda mais fundamental no qual quase todos – libertários inclusos – tendem a aceitar a estrutura de políticas: confundir suas metas sociais e políticas com seus equivalentes nas políticas mais próximas. Por exemplo, os libertários concordam que uma importante meta é a proteção dos direitos dos usuários de drogas. Muitos encaram, desse modo, como importante, uma reforma nas políticas antidrogas. Muito se fala em argumentos sobre estratégia política que, mesmo nos casos de desobediência civil, o objetivo último é a reforma das políticas públicas, por exemplo, luta-se contra as leis antidrogas para se poder reformá-las. O que comumente é encarado como ridículo é a ideia que a própria desobediência (civil ou não) pode por si mesma ser parte do objetivo.
No entanto, temos que perceber que as metas proteger os direitos dos usuários de drogas e alterar as leis antidrogas são analiticamente distintas. Mesmo que pareça improvável, é sim logicamente possível a proteção de direitos sem alterações na lei, assim como alterar a lei e permanecer o desrespeito aos direitos. A razão de tentarmos alterar as leis parte de nossa crença na mudança legal como única forma de resolução do problema. Como nossos dois objetivos são distintos aqui, devemos perguntar se um realmente é condição necessária e suficiente para o outro como parecemos pensar.
É nesse ponto que a aversão agorista consistente ao sistema de políticas auxilia. Pode muito bem ser o caso da melhor solução ser pressionar o estado para simplesmente parar com suas campanhas de agressão. Por exemplo, caso o estado sinalize uma legalização total sem taxação, uma oposição agorista ao apoio da proposta seria absurdo. No entanto, pensar que o mundo no qual vivemos constantemente nos presenteia com essas oportunidades também o é. Em vez disso, comumente somos apresentados a propostas de reforma de políticas sobre as quais a imensa maioria de nós não possui realisticamente poder de interferência, e constantemente arriscam dar um passo à frente e dois passos atrás.
Como exemplo, considere a infindável esteira de enganosas “reformas” no sistema criminal. Como escreve Nathan Goodman:
“Reformas prisionais podem piorar o problema. É importante lembrar que as prisões foram desenvolvidas por reformadores sociais que buscavam alternativas aos castigos corporais e à pena capital. O confinamento na solitária, hoje uma reconhecida forma de tortura psicologicamente traumatizante, foi originalmente proposta pelos benevolentes como uma forma de introspecção, mais humana do que o chicote. Desde então, temos visto reformadores bem-intencionados ajudando a expandir o poder do sistema prisional. Prisões femininas foram abertas em resposta à violência sexual. A construção dessas prisões, contudo, pavimentou o caminho para o crescimento do encarceramento feminino. Victoria Law escreve que, na década seguinte à abertura da primeira prisão feminina no Illinois, em 1859, ‘o número total de mulheres sentenciadas triplicou.’ Recentemente, vemos processos similares no desenvolvimento de alas para transgêneros.
O Smarter Sentencing Act… exemplifica essa abordagem ‘um passo à frente, dois atrás’ para o sistema prisional. A proposta eliminará algumas sentenças mínimas obrigatórias severas para delitos de drogas não violentos. No entanto, graças à manipulação e às estratégias necessárias para aprovar projetos de lei, o projeto também ameaça adicionar novos mínimos obrigatórios para crimes violentos.”
Dadas as considerações da escolha pública e teoria de classe que fundamentam o libertarianismo radical, isso não deveria ser algo surpreendente. Mais ainda, esse pessimismo político deve ser a nossa premissa com as supostas reformas. É importante ressaltar que a resistência a essa posição (mesmo por parte de libertários comprometidos) é vítima do mesmo tipo de raciocínio ruim que já consideramos com a estrutura de políticas.
Pois o libertário com uma estratégia centrada em políticas está comumente ciente, em abstrato, de que deve ter expectativas de forte pessimismo em relação às políticas. Quando as coisas (inevitavelmente) não saírem como planejado, eles próprios observarão considerações de escolha pública em frustração. Mas, como os proponentes do salário mínimo bem sabem em abstrato o tipo de efeitos que essa política possui no desemprego involuntário, eles ficam cegos pelas propostas mágicas das reformas. O fascínio da abordagem quase mágica da reforma para a mudança social – que se pode ajustar com sucesso as leis do estado, com a alteração sendo realizada conforme a intenção do reformador. Que podemos contornar todo o trabalho difícil simplesmente convencendo o estado a se abolir lentamente. É um sonho lindo que parece bom demais para ser falso. Portanto, mesmo reconhecendo em abstrato que nosso pessimismo político deveria ser o mais sombrio dos sombrios, é fácil subestimar o quão verdade é isso, especialmente com o quão irracionalmente excitante cada proposta de reforma nos parece.
III. A Alternativa Agorista
Digo isso não para trazer aborrecimentos. Não creio, como o fazem alguns anarquistas, não haver esperança. O mais sombrio dos pessimismos políticos não é, em última análise, uma visão pessimista. É simplesmente um convite para buscar mudanças sociais em outros lugares.
E eles se encontram bem à nossa frente. São nossas experiências rotineiras, nas quais cada um de nós está unicamente situado com um particular conjunto de talentos, posições sociais e conhecimento tácito para compor uma forma particular de resistência. Não é o caso que existe apenas um caminho óbvio de abolição do estado da noite para o dia. Há inúmeras formas de interação direta com a sociedade que nos rodeia para, com o tempo, libertá-la. Quando ocorrem desastres naturais, e o estado falha miseravelmente, aqueles de nós capazes podem trabalhar para o auxílio mútuo. Trabalhadores que almejam melhorar suas situações a despeito das imposições estatais do capitalismo administrativo o podem fazer por sindicatos autônomos. Grupos socialmente marginalizados e oprimidos podem estabelecer movimentos de base para melhorar suas situações, em vez de dependerem de um estado operado por seus opressores.
Falando em termos geras dessa forma, com um exemplo seguido de outro, pode perder o foco do que quero passar aqui; que é, por expandir a ação política além das reformas políticas radicalmente abre um novo leque de possibilidades que nem mesmo podemos imaginar antes de sua ocorrência. Estamos em uma posição de ignorância radical sobre quais são os melhores passos rumo à libertação, e ela assim permanecerá até que as pessoas mais bem posicionadas aproveitem as oportunidades. Os mais bem posicionados apenas assim o farão caso não acreditarem que, a menos que suas habilidades sejam adequadas para influenciar diretamente os legisladores, redigir legislação ou concorrer a cargos públicos, só podem desempenhar um papel instrumental. Para estarem o mais empreendedoramente alerta possível, não podem ser limitados ideologicamente pela crença de que a mudança política é restrita aos que pretendem realizar mudanças nas políticas.
Como um exemplo poderoso de mudança política que talvez não estejamos cientes, retornaremos para algo falado anteriormente. Nosso verdadeiro objetivo na “proteção dos direitos de usuários de drogas” é claramente distinto analiticamente de “reformar a política antidrogas”. Aqueles que pretendem proteger os direitos dos usuários de drogas devem, sob o ponto de vista agorista que aqui promovo, diretamente assim o fazer, não de forma indireta por meio de uma reforma nas políticas públicas.
A diferença aqui não é hipotética, pois temos um exemplo exatamente sobre isso, exatamente acerca desse problema. Na construção da Silk Road, Ross Ulbricht diretamente procurou proteger os usuários de drogas – tanto do estado quanto de traficantes violentos. E foi um sucesso monumental. O comércio de drogas aproximou-se de um mercado aberto, mesmo incluindo um sistema de avaliação. O uso do bitcoin e a anonimidade da darknet mantiveram os compradores seguros da polícia que os tentava escravizar. De acordo com um estudo criminológico, a Silk Road de forma mensurável reduziu o nível de violência no tráfico de drogas.
Tudo sem assinar uma única petição ou escrever para um único congressista sequer.
Claro, Ross eventualmente foi pego, julgado e sentenciado pelo seu envolvimento na Silk Road. Pelo seu exemplo de coragem, contudo, inúmeros sites emergiram para preencher a lacuna, cada um deles auxiliando na proteção dos usuários de drogas.
O que precisamos é de um sistema no qual cada um de nós com a capacidade de ser um Ross Ulbricht é capaz de estar alerta e preparado para atuar quando surgir uma oportunidade. Um sistema político que coloca tudo de forma última nos termos infrutíferos da reforma de políticas, confundindo as leis estatais com a verdadeira natureza da sociedade, não pode sê-lo. O único objetivo possivelmente alcançável será a continuidade da cegueira ideológica, limitando os esforços pela liberdade.
O que precisamos, então, é de uma política que abarque o mundo real como o experienciamos, não as ilusões de um processo eleitoral e sua estrutura de políticas associada. O que precisamos é o agorismo.