De Alex Aragona. Artigo original: Some Thoughts on Private Censorship, Power, and Control of Speech, 25 de janeiro 2021. Traduzido por Gabriel Serpa.
Quando se trata da liberdade de expressão, a regra de ouro é que qualquer indivíduo ou organização tem o direito de determinar quem pode ter acesso a seu espaço e o que pode dizer dentro dele – sem que haja interferência do Estado e sem a exigência estatutária de conformidade com a opinião pública. Isto também significa ter controle total sobre quem, e o que, eles removem de seu espaço. Isso sempre deve ser aplicado, seja num bar, supermercado ou servidores na Internet. Em outras palavras, o estado não pode forçar ninguém a fazer um bolo ou a postar um tweet.
Mas também é um erro pensar que uma plataforma privada é um espaço onde qualquer mensagem pode ser censurada, removida ou denunciada por seus órgãos de controle sem que nenhuma explicação seja fornecida e baseando-se apenas no seu direito de fazê-lo. Uma coisa é agir por princípio a favor do direito de um indivíduo ou entidade privada de exercer controle e ser ouvido em sua própria casa; outra é questionar se a proibição de uma plataforma, dissociando-se de alguém (ou pessoas de um certo gênero), ou rejeitando reproduzir suas opiniões, não equivale a uma censura perturbadora que prejudica a liberdade de expressão – nem mais nem menos do que a censura estatal. Aqueles que administram e criam as regras que regem os grandes espaços de discussão muitas vezes detêm uma enorme concentração de poder, que lhes dá não apenas a capacidade de exercer uma forte censura, mas também o capital social que capacita outros a fazer o mesmo. Perguntar se um certo ato de censura é justo ou injusto é sempre legítimo, e seu poder de ampliar ou restringir drasticamente o mercado de ideias deve ser julgado caso a caso.
Quais artigos e ensaios publicar; que opiniões têm mais impacto; quem representa uma autoridade em determinado campo; que grupos podem continuar a usar seus megafones metafóricos; que opiniões podem ser consideradas normais; e assim por diante, não são coisas que possam ser decididas por um processo objetivo ou científico – ou mesmo verdadeiramente democrático. Online ou offline, um número relativamente pequeno de plataformas, publicações e fóruns – e aqueles que os dirigem, regulam e influenciam – decidem unilateralmente quem pode ter espaço, a chance de intervir e debater, ou influenciar o discurso. Podemos dizer que as principais atividades jornalísticas e as redes sociais mais populares, por exemplo, podem às vezes decidir, em última instância, quais ideias, opiniões e discussões podem atingir o grau de divulgação, o impulso necessário, para ganhar importância e ressonância. E por esta razão não deveríamos nos interessar apenas por aqueles que encontram exposição em uma plataforma, mas também por aqueles que não encontram, perguntando-nos por que não encontram, e se um caso particular de censura privada na rede prejudica a qualidade do debate público.
Muitos argumentariam que se alguém não consegue encontrar espaço para suas opiniões em uma plataforma – ou se não consegue encontrar seu espaço – pode sempre criar o seu próprio, como alternativa. Mas,online ou offline, a criação de uma plataforma, ou fórum pessoal, é mais fácil de dizer do que fazer; e não apenas logisticamente, mas também, talvez mais importante, em termos de custos sociais e da credibilidade que advém de estar ou não alinhado, integrado ou não com as tendências dominantes. Apenas como exemplo, a purgação de inúmeros comentários de direita realizados pela social recebeu aplausos de muitos defensores da liberdade privada e individual, para quem este foi o magnífico trabalho de liberdade de associação e o direito das plataformas privadas a controlar seu espaço. Sem mencionar as críticas ao Parler, acusado de desleixo e baixo impacto. Embora os detalhes do caso, e quem está envolvido nele, sejam uma fonte de ironia e risadas por muitas razões, é, no entanto, entre outras coisas, uma prova de quanto controle um punhado de empresas privadas e órgãos decisórios pode exercer na determinação do acesso, estruturas e composição dos espaços mais ocupados e influentes da sociedade online. Em outras palavras, eles podem decidir quem deixar entrar e quem ostracizar nas principais arenas do debate público. O julgamento de muitos sobre o Parler, no final, é que isso é ridículo. Todos que faziam parte dele eram indiscriminadamente ridicularizados, como se tivessem perdido sua aparência de credibilidade. Neste ponto, quer estivessem participando do debate público e do mercado de ideias, quer estivessem lá para repetir slogans, ninguém mais se importava.
Naturalmente, há casos específicos em que é quase unânime a opinião de que o comportamento de alguém pode ser tal que exija sua expulsão de um espaço privado – quer seja por violações repetidas de regras, ignorar advertências, aí por diante. Para ser claro, pedir a uma pessoa, por exemplo, para sair de sua casa (por qualquer razão) não significa o fim da liberdade de expressão e do diálogo aberto. Entretanto, devemos nos preocupar quando certos espaços privados de interação social, organização e discussão têm o direito não apenas de salvaguardar a ordem e o respeito mútuo, mas também de filtrar ativamente opiniões particulares, limpar certas visões políticas e proibir certos tópicos. Em princípio, este tipo de regulamentação e gestão cultural pode afetar qualquer grupo que pense da mesma forma. Não temos que olhar apenas para certos casos de grupos extremistas se deslocando de uma plataforma para outra, ou certas ideias racistas banidas do Twitter, para entender os perigos de concentrar o controle de ideias, opiniões e interação social em relativamente poucas mãos. Afinal de contas, estas são empresas ou instituições semelhantes a empresas. Há sempre condicionamentos humanos e interesses que determinam quais discussões e opiniões podem ver a luz do dia.
A introdução não-publicada da obra Revolução dos Bichos, de George Orwell, levanta questões semelhantes. O ensaio deve servir como um aviso direto àqueles que ridicularizam a censura estatal e a repressão de ideias, em países como a União Soviética ou a China, sem levar em conta quem tem poder e como funciona o debate público em seu próprio país. Se pensamos que a publicação de ensaios, artigos, livros e outras coisas em papel representou em grande parte – se não a quase totalidade – o que alimentou e orientou o debate público na época, fica claro o que Orwell quis dizer: quem quer que seja o proprietário das plataformas tem o poder máximo de filtrar opiniões. Ele não só decide o que é publicável, ou não, mas também o que se torna parte do debate público, quem pode participar e moldá-lo e quem pode ter acesso a uma posição de respeito e influência. De certa forma, segundo Orwell, o principal perigo para a liberdade de pensamento não é a censura estatal:
O aspecto perturbador da censura literária na Inglaterra é que ela é, em grande parte, um fenômeno voluntário. Idéias impopulares podem ser silenciadas, e fatos inconvenientes podem ser mantidos ocultos, sem censura oficial.
Aqueles que vivem há muito tempo no exterior saberão que certas notícias sensacionais – que por si só mereceriam as manchetes – são mantidas escondidas pela imprensa britânica não por causa da intervenção do Estado, mas por causa de um acordo não dito de que ‘não está tudo bem’ mencionar esse fato em particular. A imprensa britânica é altamente centralizada, em sua maioria são propriedades de magnatas que têm muitos motivos para ficar calados sobre certas questões importantes. Encontramos então o mesmo tipo de censura velada em livros e periódicos, bem como em teatro, cinema e rádio.
Há sempre esta ortodoxia, este corpo de idéias que os benfeitores presumivelmente aceitam sem questionar. Não é exatamente proibido dizer uma determinada coisa ou outra, mas simplesmente ‘não é certo’ dizê-las… Qualquer um que vá contra a ortodoxia dominante se encontra, com surpreendente eficácia, sem voz. Uma opinião contracultural quase nunca é recebida de forma justa, e isto tanto na imprensa popular como nos periódicos de grande tiragem. [Quebras de parágrafo minhas para facilitar a leitura].
Orwell estava falando da Grã-Bretanha, e obviamente não poderia ter conhecido o estado da informação e os novos paradigmas sociais, como a Internet, de 2021. Mas o ponto se aplica geralmente ao presente e à grande parte da sociedade ocidental: não é apenas o estado, ou poder público, que caracteriza enorme poder centralizado a ser usado para silenciar dissidências, filtrar informações e regular o debate público. Hoje, embora haja muito mais possibilidades de publicar um ensaio, circular uma opinião e assim por diante, estar fechado fora do debate geral significa ser relegado para as margens e para espaços menos visíveis – e isso tem implicações em termos de imagem pública. Obviamente, quando se diz coisas que não se encaixam, ou vão contra o senso comum – talvez simplesmente criticando as decisões de um órgão de controle privado – a batalha pelo acesso e credibilidade é uma conclusão inevitável.
Para sermos claros, criticar o poder de censura dos quais dispõem os poderes privados não significa exigir que o Estado implemente uma certa política, nem significa que certos atos de censura privada sejam automaticamente bons ou ruins. Em qualquer caso, a saúde do debate público e a estrutura na qual o debate é enquadrado são fatos mais complexos do que uma simples declaração, preto no branco, sobre direitos, ou do que pode e não pode ser feito. Podemos apreciar o fato de que o poder privado contrasta com o poder público, e o fato de que ele se equilibra com outras formas de poder privado, mas devemos estar sempre atentos aos problemas gerados pelas concentrações de poder. Precisamos entender como o poder privado funciona no mercado das ideias e como a liberdade de pensamento, crença e expressão pode estar sujeita ao controle e disciplina. Não devemos subestimar o papel crucial daqueles que dirigem grandes espaços e plataformas de discussão e sociabilização para influenciar o debate público e as opiniões em geral. Manter um debate público saudável significa deixar espaço para a diversidade de opiniões e ampliação das discussões. Que certas pessoas e entidades têm o direito de usar seu poder para influenciar o debate público não é nem o início e nem o fim de qualquer discussão digna.