Jason Lee Byas. Título original: Against the Criminal Justice System, Pt. I: No One Should Ever Be Punished. Traduzido por Gabriel Serpa.
Enquanto toda dor, todo o sofrimento e todos os custos elevados, ocasionados pela justiça criminal, se agravam e fogem do nosso controle, mais e mais pessoas se posicionam em favor de uma reforma deste sistema. Até mesmo o governador do Texas, Rick Perry — que já afirmou, cheio de orgulho, nunca ter se preocupado com questões como a pena de morte —, passou a defender uma redução no número de prisões.
No entanto, mais do que nunca, o que precisamos é de uma medida mais radical do que uma simples reforma do sistema penal: nós devemos extinguir toda e qualquer instituição punitiva e voltada à criação de mais leis penais, incluindo nosso sistema carcerário escravocrata, e substitui-los por um sistema legal baseado na defesa e na restituição.
Cada um destes pontos citados acima requerem um tratamento cuidadoso de suas peculiaridades. Por isso, esta será uma série de escritos — em vez de um monobloco —, e começaremos pelos motivos que deveriam fazer dos libertários ferrenhos opositores do punitivismo.
O libertarismo tem como ponto de partida a noção básica acerca do que é (e do que não é) o uso aceitável da violência. Em situações corriqueiras da vida, tendemos a afirmar que uso de violência só é justificável em legítima defesa, sendo esta limitada pelo princípio da proporcionalidade. Se ao tentar te matar, eu acabo morto por você, pois esta é a única forma que você tem de me impedir e se defender, seu ato é justificável. Se eu pisar no seu pé, você tem todo o direito de me dar um chega pra lá. Entretanto, não é razoável que você me mate, ou que me apague, por um pisão no pé. Se eu furto sua televisão, você pode me forçar a devolvê-la, já que se eu mantiver seus pertences para mim, estarei cometendo um ato lesivo contra você.
Mesmo assim, este princípio de não-agressão está totalmente em desalinho com o punitivismo. Enquanto que proteger e restituir são justificáveis nos casos de violação de direitos — tomar forçosamente dos agressores uma reparação que indenize as vítimas —, o mesmo não se aplica às punições. Elas vão além ao submeterem os transgressores a um novo processo de violência que em nada se relaciona com a defesa da vítima e a restituição de suas perdas. Pelo menos em uma primeira mirada, isto faz do castigo um novo ato de agressão. Assim, para que libertários justifiquem o punitivismo, devem fazê-lo justificando a própria violência.
Dissuasão e Reabilitação
Uma maneira comum de se justificar o emprego de punições é pela necessidade da dissuasão. Esta pode se apresentar de duas formas: tanto genérica — punir um criminoso para que outros sejam dissuadidos de cometer o mesmo crime que ele —, quanto específica — punir um criminoso para que ele seja dissuadido de incorrer no mesmo crime futuramente.
Pode-se pensar que os libertários favoráveis ao punitivismo apelariam facilmente às práticas dissuasivas. Afinal, se a autodefesa é uma hipótese legítima para o uso da violência, e o uso da dissuasão potencialmente nos protegeria de uma agressão futura, logo, seria legítimo que medidas dissuasivas fossem empregadas violentamente.
Contudo, desconsidera-se por essa lógica que o emprego da violência só é verdadeiramente defensivo quando para deter uma certa pessoa de cometer uma agressão específica, que de outra forma não seria impedida. Ampliar a noção de defesa ao ponto de incluir a prática da dissuasão nos levaria a conclusões absurdas. A saber, se o uso da violência dissuasiva for justificável, o será também contra inocentes.
No caso da dissuasão genérica, bastaria que o público em geral acreditasse que um suposto criminoso fosse culpado, e não que ele fosse de fato. Isso, porque se uma pessoa é inocente, mas todas as outras não acreditam que ela seja, puni-la ainda terá um efeito dissuasivo. Assim sendo, para que apontemos para a inaceitabilidade desta punição, devemos determinar que a dissuasão genérica não é um caso à parte que justifique o uso da violência.
Já para a dissuasão específica, bastaria que uma punição qualquer detivesse alguém de um suposto crime futuro — não que esse alguém já o tivesse cometido. Imagine um mundo em que as práticas de assustar de antemão (do original, scared-straight) fossem um pouco mais extremas: se alguém pudesse ser encarcerado apenas por haver demonstrado que talvez estivesse prestes a seguir o mau caminho — não que ela tivesse feito algo de errado —, só para que já sentisse um pouco na pele a punição que estaria lhe aguardando. Se essa espécie de prática dissuasiva for legítima, então a hipótese citada acima seria aceitável.
Afirmações semelhantes podem ser aplicadas à reabilitação de presos como forma de punição. Se for legítimo que se aprisione criminosos para regenera-los, então por que não pegar, diretamente das ruas, pessoas que possivelmente cometeriam crimes no futuro para fazer o mesmo?
Justiça Retributiva
Outro problema é que tanto a dissuasão quanto a reabilitação não oferecem as bases para o princípio da proporcionalidade. Isto é, elas não explicam porque a punição deve ser proporcional ao crime, ou o que isso significa. É por essa razão que muitos defensores do punitivismo voltam suas atenções à justiça retributiva. Estes acreditam que é justo infligir ao criminoso o que quer que ele tenha infligido à sua vítima. Um benefício deste sistema retributivo seria seguir as diretrizes da exata proporcionalidade: olho por olho. Desta forma, estariam justificadas as penas excessivas para crimes brutais.
Ao mesmo tempo, se levarmos a sério esta forma de proporcionalidade que o retributivismo nos oferece, chegaremos a conclusões nada diferentes das que nos trouxeram a reabilitação e a dissuasão. Por exemplo, ela não apenas permite, mas obriga que assassinos brutais sejam assassinados brutalmente e de maneiras específicas; que estupradores sejam estuprados; e aqueles que atacam e saqueiam sejam torturados. Se aceitarmos a justiça retributiva, nossa reação a execuções mal-sucedidas (do original, botched executions), que resultam em mortes extremamente dolorosas, não deveria ser de terror, e sim de alívio, já que a justiça teria sido feita.
Voltando para as noções que normalmente nos trazem ao libertarismo, este tipo de proporcionalidade não é do que precisamos. Num caso comum de conflito interpessoal, entendemos a violência apenas como legítima na medida em que é necessária para repelir um ataque, ou para proteger outra pessoa. Se eu tento socar sua cara, você pode bloquear meu soco, me dar uma chave de braço, ou se valer de medidas razoáveis para se defender de mim. O que normalmente não aceitamos é que você me ataque após o término da briga, quando já lhe dei as costas para ir embora. Podemos até entender racionalmente, mas não defendemos moralmente esta prática. Muito menos que ela seja executada diretamente pela justiça. Nossas noções comuns acerca dos conflitos interpessoais são contrárias às retributivas.
Mas Eles Não Podem Se Safar Assim!
Então, se nos livrarmos do punitivismo, isso significa que não faremos nada quando alguém praticar uma agressão? Não, apenas significa que não aplicaremos um castigo. Em vez disso, o infrator é obrigado a restituir ou indenizar a sua vítima, para que se repare os danos que puderem ser reparados. Isso transforma o direito criminal em direito civil. No próximo texto, examinaremos no que consiste essa mudança.