Benjamin Tucker notoriamente defendia que a propriedade sobre a terra dependia da ocupação pessoal contínua do dono, de forma que quando um indivíduo deseja alugar um terreno ou uma construção a um locatário, o “senhorio” efetivamente cede seu direito de propriedade ao “inquilino”. Este — a despeito de quaisquer contratos assinados — não tem qualquer obrigação, legal ou não, de continuar a pagar os aluguéis ou devolver a propriedade ao final do contrato.
Acredito que a opinião de Tucker sobre essa questão esteja equivocada, mas os méritos dessa posição não são minha preocupação atual (para uma defesa da posição de Tucker, confira a crítica aos aluguéis absenteístas feita por Kevin Carson; para a visão contrária, confira minha resposta a Carson na próxima edição do Journal of Libertarian Studies). Neste post, eu pretendo fazer uma pergunta de cunho histórico: qual era a posição de Lysander Spooner sobre essa questão.
Presume-se frequentemente que seja similar à de Tucker. No livro Egalitarianism as a Revolt Against Nature, por exemplo, Rothbard trata a abolição dos aluguéis como parte da “doutrina de Spooner-Tucker”. Contudo, embora Spooner e Tucker de fato estivessem alinhados em muitas questões, eles discordavam em vários pontos — notoriamente, haviam discordâncias sobre a legitimidade da propriedade intelectual (Spooner era favorável, Tucker contrário) e sobre os fundamentos éticos do libertarianismo (Spooner era favorável ao direito natural, enquanto Tucker se alinhava ao egoísmo stirnerista). Portanto, a concordância de Spooner e Tucker sobre os aluguéis não é uma questão trivial.
É possível imaginar que tanto Spooner quanto Tucker fossem contrários aos aluguéis porque ambos apoiaram o movimento irlandês de resistência aos arrendamentos. Porém, no panfleto de Spooner Revolution: The Only Remedy for the Oppressed Classes of Ireland (em português, “Revolução: o único remédio para as classes oprimidas da Irlanda”), de 1880, o único motivo que Spooner fornece para rejeitar os direitos de propriedades dos proprietários irlandeses não era o fato de que eles não mantinham suas terras em ocupação contínua, mas o de que suas posses “foram originalmente adquiridas pela espada” dos agricultores nativos — um argumento perfeitamente coerente com as posições de Locke e Rothbard sobre os aluguéis.
Não posso afirmar que tenha estudado cada palavra dos textos de Spooner para procurar suas observações sobre esta questão, mas o que encontrei me convence de que a posição de Spooner sobre os aluguéis era a lockeana-rothbardiana e não a tuckeriana.
A menção mais antiga de Spooner que fui capaz de encontrar foi o sumário legal de Spooner vs. M’Connell, no qual ele afirma o direito de propriedade do governo federal dos EUA sobre as “terras selvagens” dentro de seu território, acrescentando que os Estados Unidos “podem arrendar essas terras (…) contanto que retenham o título sobre elas”. Neste ponto, a ocupação e o título de propriedade são claramente compreendidos como separados. Contudo, essa passagem mais antiga não é um reflexo apropriado das visões maduras de Spooner, uma vez que elas claramente entram em conflito com suas declarações em Letter to Grover Cleveland (“Carta a Grover Cleveland”, em português), de 1886, de que “o governo não tem maior direito de propriedade sobre as terras selvagens do que tem direitos sobre o brilho do sol, sobre a água ou sobre a atmosfera”.
Contudo, também encontramos Spooner observando, em seu panfleto Poverty: Its Illegal Causes and Legal Cure (“Pobreza: suas causas ilegais e sua cura legal”), que “não é mais extorsivo emprestar o capital a quem paga mais do que vender um cavalo ou alugar uma casa a quem pagar mais” — o que não soa como uma condenação do aluguel enquanto algo inerentemente problemático.
A evidência mais clara da discordância entre Spooner e Tucker na questão dos aluguéis, porém, aparece em seu panfleto de 1855 Law of Intellectual Property (“A lei da propriedade intelectual”). Embora esse trabalho se dedique especificamente à questão da propriedade sobre as ideias, para abordá-la, Spooner considera necessário desenvolver uma teoria geral dos direitos de propriedade. Ao fazê-lo, ele afirma:
Não há limite fixado pela lei da natureza para a quantidade de propriedades que um indivíduo pode adquirir tomando posse da riqueza natural, sem dono. (…) Ele permanece com a posse da terra para que permaneça também com o trabalho investido nela ou sobre ela. A terra é sua, dado que o trabalho despendido se mantenha em condição adequada aos usos para os quais foi despendido, uma vez que não se supõe que o homem tenha abandonado os frutos de seu trabalho enquanto estes se mantêm em estado de utilidade para ele. (…)
O princípio da propriedade é o de que o dono de algo tem domínio absoluto sobre ele, tendo ele posse de fato da coisa em questão ou não, desejando ele utilizá-la ou não; de que ninguém tem o direito de tomar posse dessa coisa, ou de usá-la, sem seu consentimento; e de que ele tem perfeito direito de restringir tanto a posse quanto o uso dela por outros, mesmo que o motivo para tal não seja nada além de induzi-los a comprá-la ou alugá-la, fazendo pagamento em troca de seu uso. (…) O direito de propriedade, portanto, é um direito de domínio absoluto sobre um bem, podendo o dono retê-lo em sua posse e uso ou não. É um direito de proibir os outros de utilizarem seu bem sem seu consentimento. Não fosse esse o caso, os homens jamais poderiam vender, alugar ou doar os bens que não desejam manter ou usar, uma vez que perderiam a propriedade sobre eles — isto é, seu direito de domínio — no momento que suspendessem sua posse e uso pessoais deles.
É porque o homem possui esse direito de domínio absoluto sobre os frutos de seu trabalho, podendo proibir outros homens de utilizá-los sem seu consentimento, retendo ou não a posse sobre eles, que quase todos os homens estão envolvidos na produção de bens que não possuem qualquer utilidade para si, e dos quais não pretendem reter a posse, somente para fins de venda ou aluguel. De fato, não existe qualquer propriedade material que os donos mantenham constantemente em sua posse ou uso, como seria necessário para manter seus direitos, se o direito de propriedade, originalmente derivado do trabalho, não permanecesse em vigor na ausência da posse.
Acredito que essa seja a afirmação mais clara do que significava princípio da propriedade aos olhos de Spooner. Embora inicialmente adquirida através do trabalho e da ocupação, a propriedade não depende, para sua continuidade, do trabalho e da ocupação contínuos, mas pode ser legitimamente alugada sem a perda do título do dono original. Talvez não tenha sido apenas por sua defesa de direitos autorais e patentes, portanto, que Tucker tenha descrito Law of Intellectual Property como “o único trabalho verdadeiramente absurdo que já foi produzido pelas mãos do Sr. Spooner”.
Também não devemos supor que Spooner tenha recuado de seu endosso de 1855 da validade dos aluguéis durante sua associação com Tucker; porque apenas três anos antes de sua morte, em seu panfleto de 1884 Letter to Scientists and Inventors (“Carta aos cientistas e inventores”), Spooner reafirma em forma mais sucinta sua posição expressada em Law of Intellectual Property e observa en passant que o originador da ideia “pode usá-la por conta própria, vendê-la ou emprestá-la para uso alheio, assim como poderia fazer com qualquer propriedade material” (ênfase minha). Novamente, não há indícios de que o título a “qualquer propriedade material” seja perdido quando os donos deixam de ocupá-las e as “emprestam para o uso alheio”.
Assim, aqui está minha breve desomogeneização das ideias de Spooner e Tucker sobre a questão da terra. Talvez eu deva salientar que eu não pretendo alegar que minha concordância com Spooner contra Tucker seja um argumento válido em prol da minha posição! (Isso deveria ser óbvio, mas eu sei, por experiência própria, que se eu não explicitar esse fato, algum perspicaz leitor me enviará um email dizendo: “Então Spooner concorda com você. E daí?” Isso não prova que ele esteja certo! Você é um imbecil”.)
De qualquer maneira, eu concordo com Tucker contra Spooner em relação à propriedade intelectual, então não é como se eu pudesse coerentemente exaltar um em relação ao outro. Em seu Law of Intellectual Property, Spooner tenta mostrar que se você concorda com ele sobre a terra, você deverá, por coerência, concordar com ele em relação a direitos autorais e patentes. Obviamente, penso que seus argumentos sobre essa questão são falsos por motivos que eu pretendo especificar no futuro; minha linha de argumentação seria um desenvolvimento da abordagem que esboço aqui e aqui. Como afirmei acima, porém, minha preocupação na discussão atual não é oferecer uma defesa teórica de qualquer opinião em particular sobre os direitos de propriedade, mas simplesmente avançar o argumento histórico interpretativo de que a visão de Spooner sobre os aluguéis não era a mesma de Tucker. (Bom, se é que há algum resultado polêmico que eu possa extrair disso tudo, é o seguinte: os anarcossocialistas que concedem o título de “anarquista” a Tucker e também a Spooner, mas o negam a Rothbard e a outros “anarcocapitalistas” por conta, entre outros fatores, da discordância destes últimos de Tucker em relação à terra devem notar que sua posição se torna um pouco mais difícil de manter, uma vez que a distância entre o Spooner e os “amaldiçoados” anarcocapitalistas parece um tanto menor.)
Traduzido por Erick Vasconcelos.