Bibliotecas de sementes: A lei é o problema; contorne-a
The following article is translated into Portuguese from the English original, written by Kevin Carson.http://c4ss.org/content/30417

Recentemente foi viralizada a matéria sobre as ameaças do Departamento de Agricultura do estado da Pennsylvania, nos EUA, contra uma biblioteca de sementes de Mechanicsburg, sob alegações de que ela violava as regulamentações contra o “agroterrorismo”. Para obedecer às regulamentações, a biblioteca teria que se limitar à distribuição de sementes compradas em lojas e não distribuir quaisquer sementes que sobrassem de anos anteriores. Quem estipulou essas regulamentações, a Monsanto? A história destacava a óbvia simbiose entre os departamentos de agricultura e o agronegócio, que estabeleceram um monopólio corporativo sobre nossa cadeia produtiva de alimentos.

Porém, ao que parece, a batalha nem sempre é vencida pelo mais forte. Davi ainda tem algumas pedras em seu arsenal. Em um artigo publicado pelo Shareable (“Setting the Record Straight on the Legality of Seed Libraries“, Aug. 11), Neal Gorenflo, o Sustainable Economies Law Center e o Center for a New American Dream relatam sua impressionante investigação legal sobre a interpretação judicial de estatutos e regulamentos similares em todo o país e mostram que há potencial significativo para a exploração de brechas legais.

Eu tendo a argumentar, junto com meu companheiro de C4SS Charles Johnson, que um grama de fuga da lei vale um quilo de trabalho dentro do sistema para mudá-la.

“Se você coloca todas as suas expectativas de mudança social na reforma legal (…), você perceberá que está sempre um passo atrás daqueles com bolsos mais cheios, maior acesso à mídia e melhores conexões. Não há esperança de voltar o sistema contra eles, porque, afinal, o sistema foi feito por eles e para eles. Campanhas políticas reformistas inevitavelmente sugam muito tempo e dinheiro para dentro da política sem resultar em reformas significativas.”

Pode-se conseguir muito mais, segundo ele, a um custo muito menor, “pelo contorno das leis, tornando-as irrelevantes à sua vida”.

O lobby contra as leis draconianas de copyright como as do capítulo de propriedade intelectual da Parceria Trans-Pacífico e do ACTA foi bastante positivo, mas a criptografia, proxies e melhorias na tecnologia de compartilhamento de arquivos alcançaram muito mais resultados práticos. Antes mesmo de o ACTA ser votado, várias extensões para o Firefox estavam disponíveis para simplesmente contornar nomes de domínio tomados pelo governo federal, indo direto para o endereço de IP numérico. É assim que as pessoas têm acesso aos vários sites e mirrors do Wikileaks em todo o mundo.

Em outras palavras, parafraseando uma famosa citação, trate a lei como dano e contorne-a.

Mas às vezes a melhor forma de alcançar um objetivo é utilizando a própria lei como arma. Os wobblies (trabalhadores sindicalizados da Industrial Workers of the World) e outros sindicatos radicais têm um nome para isso: “work-to-rule”. Considerando a estupidez do processo de estabelecimento de regras em hierarquias autoritárias, não há forma mais eficiente de sabotar toda uma organização do que obedecer as regras do ambiente de trabalho literalmente. O mesmo se aplica às leis e regulamentações estatais. Uma lei pode ter sido passada com o objetivo óbvio de proteger as empresas de sementes capitalistas da competição livre e aberta. Apesar de seu objetivo, porém, quando uma política é colocada em vigor, ela é limitada por seu próprio texto. Como o homem-marshmallow Stay Puft nos Caça-Fantasmas, o destruidor está sujeito às limitações da forma em que está incorporado.

E como os autores da pesquisa afirmam, o texto e as interpretações jurídicas subsequentes sobre regulamentações de sementes nos Estados Unidos são bastante convenientes. Se interpretadas literalmente, as regras se aplicam no máximo, à distribuição de sementes através de vendas comerciais, trocas ou escambo — isto é, quando uma troca recíproca de valor por valor ocorreu envolvendo um contrato implícito ou explícito. Embora aqueles que pegam sementes da biblioteca de Mechanicsburg sejam estimulados a devolvê-las mais tarde quando seus cultivos derem novas sementes, para perpetuara a biblioteca, não há obrigação contratual de fazê-lo. O único requisito das distribuições de sementes como a da Pennsylvânia é o pagamento de uma taxa de licenciamento de US$ 25. Os autores sugerem que a biblioteca de sementes pode simplesmente fazer isso, continuando a operar como antes e aguardando as próximas ações do estado (sem dúvida incentivadas pelas empresas de sementes). E, se o estado agir, nós vemos mais tarde o que acontece quando ele for testado nos tribunais.

(O Shareable criou um Hackpad aberto para aqueles que desejem compartilhar os resultados de suas pesquisas sobre regulamentações estaduais de sementes, inclusive.)

É claro, se isso não funcionar e os tribunais novamente protegerem os interesses das companhias de sementes, será o momento de dar um passo adiante nos esforços de contorno legal (falo por mim mesmo aqui, não pelos autores — eles sugerem que o experimento acima seja combinado com esforços de lobby, que eu não considero uma alternativa tão empolgante). A resposta do movimento de compartilhamento ao fechamento do Napster foi a tomada de um caráter mais disperso, genuinamente P2P, abandonando eventualmente a hospedagem em servidores fixos. Com o fechamento das bibliotecas de sementes, jardineiros orgânicos poderiam usar aplicativos ou sites de compartilhamento para reunir pessoas com ofertas e necessidades de sementes específicas, deixando que elas façam o resto por si mesmas. Se o estado corporativo reagir com ainda mais força, talvez seja necessário relocar os sites de compartilhamento a servidores em países fora da cortina de patentes e que os compartilhadores de sementes se relacionem através de mensagens criptografadas.

O estudo também aponta para outras informações interessantes. A Receita Federal americana reconhece que bancos de tempo são diferentes de escambos taxáveis pelas mesmas razões por que bancos de tempo são isentos de regulamentações de sementes. Não há quid pro quo contratual; embora haja uma “troca” informal de favores, não há obrigação legal de devolver um favor. Com a diminuição e o barateamento dos requisitos de capital para produzir uma fração cada vez maior de nossas necessidades de consumo, além da possibilidade de sua produção individual ou em redes multifamiliares, segue-se que uma grande parte de nossa produção total usada para atender às nossas necessidades de subsistência tenda a sair do nexo monetário e do radar do estado, entrando em economias informais e de doação. Numa escala maior, em que uma coordenação mais definida é necessária (como a das redes de crédito mútuo de Tom Greco), o sistema pode operar dentro da darknet quando os os benefícios justificarem custos de transação .

Assim, a própria tecnologia está levando parte de nossas vidas produtivas para fora do nexo corporativo-estatal, tranferindo-as para associações voluntárias e mecanismos de ajuda mútua de que falava Kropotkin em seu artigo sobre o anarquismo na Enciclopédia Britannica, definindo-os como características definidoras da ordem anárquica. O aproveitamento das vantagens dessas tecnologias pode nos ajudar a fugir do domínio corporativo e construir o mundo que desejamos.

Traduzido por Erick Vasconcelos.

Anarchy and Democracy
Fighting Fascism
Markets Not Capitalism
The Anatomy of Escape
Organization Theory