As trocas mútuas são o objetivo do Centro em dois sentidos — nós defendemos uma sociedade baseada na cooperação pacífica e voluntária e buscamos estimular o entendimento através do diálogo contínuo. A série Mutual Exchange dará oportunidades para essa troca de ideias sobre questões que importam para os nossos leitores.
Um ensaio de abertura, deliberadamente provocador, será seguido por respostas de dentro e fora do C4SS. Contribuições e comentários dos leitores são muito bem vindos. A seguinte conversa começou com um artigo de Joseph S. Diedrich, Propriedade privada, dos males o menor. Cory Massimino e Diedrich prepararam uma série de artigos que desafiam e exploram os temas apresentados no primeiro artigo. Ao longo da próxima semana, dia sim, dia não, o C4SS publicará uma de suas respostas. A série final poderá ser seguida sob a categoria “Propriedade privada: Como, quando e por quê”.
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Em resposta a meu artigo recente, Propriedade privada, dos males o menor, Cory Massimino escreveu uma ótima resposta. Concordo (mais ou menos) com tudo o que ele afirma, mas não acredito que meu artigo tenha sido contradito ou refutado de maneira nenhuma. Cory parece afirmar que meu artigo afirma mais do que é capaz de sustentar com argumentos e, por isso, sou parcialmente responsável. Tentarei clarificar minhas posições.
Meu argumento central é o seguinte: muitos libertários operam sob a perspectiva de que a propriedade privada, por si só, estimula a interação voluntária. A partir daí, muitos concluem que sua estrutura e função — isto é, o controle exclusivo de recursos — tornam a propriedade privada inerentemente boa. Atribuem a ela um caráter ético universal (válido em todos os casos, a despeito das condições dadas).
Há dois problemas com essa ideia: primeiro, a propriedade privada não é suficiente para promover as interações pacíficas; contudo, sob certas circunstâncias, é necessária. Eu digo “certas circunstâncias” porque outro fator deve ser considerado. Há duas classes de recursos: escassos e não-escassos. Os recursos escassos são excludentes e, sem um sistema de controle exclusivo, conflitos sobre seu uso são inevitáveis. Recursos não-escassos não são excludentes e, portanto, nenhum conflito sobre seu uso ocorre naturalmente. Somente se tentarmos aplicar direitos de propriedade privada a eles o conflito passa a ocorrer.
Segundo, como corolário, a propriedade privada não pode ter o caráter de ética universal. Em vez disso, seu status depende de características naturais incontroláveis. Sua estrutura e função (controle exclusivo) dissuade conflitos relacionados ao uso de recursos escassos, mas promove conflitos quando são recursos não-escassos que estão em jogo.
Além disso, no mundo da escassez, a propriedade privada não é apenas necessária para a interação pacífica. É também logicamente inevitável. Há várias teorias que demonstram a necessidade lógica da propriedade privada, que incluem o ceticismo moral, a teoria do estoppel de Stephan Kinsella e a teoria da ética argumentativa de Hans-Hermann Hoppe, para citar algumas.
Hoppe começa pela proposição de que o discurso racional (a argumentação) prova a auto-propriedade: “A justificação — prova, conjectura, refutação — é o mesmo que justificação argumentativa. Quem quer que negue essa proposição estaria preso numa contradição performativa, porque sua negação constitui um argumento”. Para formalizar um argumento racional, é necessário o controle exclusivo do próprio corpo:
“Ninguém poderia propor qualquer coisa e esperar que a outra parte se convencesse da validade de sua proposição, ou a negasse e propusesse outra coisa, a não ser que o próprio direito e o direito do oponente ao uso exclusivo de seus respectivos próprios e locais ocupados fosse pressuposto.”
A partir daí, Hoppe deduz a validade lógica dos direitos de propriedade privada sobre outros “recursos escassos”.
Há outras formas de chegar às mesmas conclusões gerais. A ética da argumentação não é senão um exemplo. Contudo, todos os argumentos válidos e teorias do tipo têm, ao menos, um ponto em comum — consideram a escassez. Hoppe a menciona explicitamente. A auto-propriedade é válida a priori somente porque nossos corpos e os locais que ocupamos são escassos. Em outras palavras, a propriedade privada é válida e se torna justa por causa da possibilidade de conflito.
A propriedade privada sobre recursos escassos, assim, é uma ética humana universalmente aplicável. Ela permite que cada indivíduo avalie suas ações antes de agir. Nós podemos determinar ex ante se nossas ações são justas ou injustas.
Considere a outra classe de recursos — os não-escassos. Neste caso, a propriedade privada (o controle exclusivo) tem o efeito oposto. Ela promove conflitos onde nenhum existiria. Além disso, de um ponto de vista teórico abstrato, a propriedade privada é logicamente impossível em recursos não-escassos. Eu afirmo exatamente isso em um artigo meu para o Maclver Institute:
“[Se] for um tipo de propriedade, [os recursos não-escassos] podem ser vendidos, alugados (licenciados), doados ou roubados. (…)
“Para ser vendida, alugada, doada ou roubada, porém, a propriedade deve ter um dono, um requisito que torna necessária uma consideração a respeito de recursos sem dono. (…)
“Se o prognóstico da apropriação universal for alcançado, eventualmente existirá um mundo em que todos os recursos [não-escassos] terão dono. Toda ideia será propriedade — todo conceito, desenho, plano, pensamento. Até mesmo a ideia abstrata sobre uma “ideia” terá um dono. Em outras palavras, o conceito de ação estará sob controle exclusivo.
“Como corolário, qualquer pessoa que utilize o conceito de ação — ou seja, aja — sem a permissão do dono estará cometendo uma forma ilegítima de apropriação, isto é, roubo. Para ter a permissão para usar (alugar ou comprar) o conceito de ação, deve-se falar ou escrever usando palavras e conceitos — em outras palavras, é necessário agir. (…)”
Através do reductio ad absurdum, a contradição é exposta. No entanto, mesmo que seja teoricamente impossível no longo prazo, nós ainda temos a capacidade de impor princípios de propriedade privada sobre recursos não-escassos. E fazemos isso a todo momento com a propriedade “intelectual”.
Minha intenção ao escrever Propriedade privada, dos males o menor era descrever e prescrever. Assim, quando eu escrevi, “a escassez não governa o mundo não-físico e, portanto, é desnecessário, imprudente e patentemente tolo impor estruturas coercitivas de propriedade privada sobre ele”, eu não fazia uma observação teórica, mas uma recomendação. Nós não devemos nunca impor uma escassez artificial sobre o mundo não-escasso dos recursos ideais e do “espaço” digital.
Além disso, quando eu disse que “a propriedade privada não é moralmente boa ou meritória em si mesma”, eu falava num sentido bastante específico. O mérito só pode ser determinado de forma interpessoal com base na possibilidade de um meio levar a um fim. A propriedade privada (que, mesmo quando é nossa única alternativa logicamente coerente, não passa de um meio) pode ser moralmente meritória, mas somente ao se alinhar com nossos objetivos finais.
Se nosso objetivo final é um aumento do bem estar social e padrões de vida mais altos (um desejo que depende da interação pacífica), então a propriedade privada sobre recursos escassos deve ser mantida. Por outro lado, a propriedade privada (ou a tentativa de estabelecê-la) sobre recursos não-escassos deve ser rejeitada. A propriedade privada é, no máximo, um conceito neutro; dadas as condições naturais, ela pode ser tanto boa quanto ruim.
Traduzido do inglês para o português por Erick Vasconcelos.