O anúncio da Suprema Corte dos Estados Unidos no dia 16 de janeiro que daria um veredito a respeito da constitucionalidade de proibições estaduais ao casamento homossexual tem incitado várias previsíveis reclamações a respeito do ativismo jurídico. Tony Perkins, do Family Research Council (Conselho de Pesquisa da Família, em português) afirma que “não há nada na Constituição que dê aos tribunais o direito de silenciar o povo e impor a todo o país uma redefinição do conceito de casamento”, mas não especifica em nenhum momento onde a constituição dos EUA dá ao governo o poder de se envolver na definição do que é casamento em primeiro lugar.
Na verdade, a trajetória de crescimento do movimento pelos direitos dos gays foi antecipada pelas palavras iniciais do livro The Greening of America (“O esverdeamento dos Estados Unidos”, em português), de Charles A. Reich: “Uma revolução está chegando. Ela não será como as revoluções passadas. Ela será individual e terá origem na cultura, mudando a estrutura política apenas em sua etapa final”. Como o editor da revista Reason Jesse Walker explica: “Ao contrário da retórica de alguns oponentes da ideia, o casamento gay não foi inventado em um laboratório em Washington e imposto ao país por engenheiros sociais. Foi uma ideia que cresceu de baixo para cima e estava viva numa época em que os engenheiros sociais mais típicos achavam que a homossexualidade era uma doença”.
De fato, a resposta política à crescente aceitação social de gays e lésbicas tem sido tão lenta, atrasada e prejudicada pela realpolitik que é difícil para os democratas tomarem crédito por ela. O escritor democrata S.T. Joshi, que assevera que o progresso social-democrata “fará com que a noção de um governo pequeno se torne não mais que uma excentricidade curiosa do passado”, afirma que “é uma ironia singular que, mesmo com administrações republicanas em 16 dos 24 anos entre 1981 e 2005, os direitos dos gays fizeram avanços quase tão revolucionários quanto o movimento pelos direitos das mulheres”. O que ele não menciona é a “ironia” que nesse mesmo período o presidente democrata Bill Clinton foi quem sancionou a Lei de Defesa do Casamento, que permitia que os estados banissem o casamento homossexual.
De acordo com Perkins, a defesa de um casamento somente entre homem e mulher é uma necessidade se o “autogoverno é algo que ainda importa num país que afirma que quem governa é o povo”. Os pioneiros da liberação dos gays, porém, ofereceram alguns ensinamentos a respeito não só desse majoritarismo tacanho, mas também sobre a necessidade social do “governo”. O escritor Oscar Wilde, preso quando vigoravam as leis de decência vitorianas, insistia que “autoridade e compulsão estão fora de questão; todas as associações devem ser voluntárias”. O crítico social Paul Goodman, despedido por sua aberta bissexualidade em 1940, era também não-conformista em sua identificação política, descrita por Casey Nelson Black como “não-marxista, não social-democrata, não ‘realista’ liberal — mas um anarquista” para quem, em suas próprias palavras, “uma sociedade livre não pode ser a substituição da antiga pela nova ordem, mas é a extensão das esferas de ação livre até que elas componham a maior parte da vida social”.
Charles A. Reich errou. O ato final da próxima revolução não será uma mudança da estrutura política, mas a sua destruição.
Traduzido por Erick Vasconcelos.