Discussões sobre princípios expandidos são o assunto atual dentro dos círculos libertários. Quando os libertários atuais foram apresentados ao debate entre o debate entre thick/thin por Charles W. Johnson, pelo C4SS e por outros autores, a questão se mostrou bastante polêmica e provocante. A partir daí, surgiu a distinção entre “brutalistas” e “humanitários”, descrita por Jeffrey Tucker em seu agora famoso ensaio “Contra o brutalismo libertário“. Tucker afirma que:
“[O brutalismo] despe a teoria até o mínimo e mais fundamental e leva sua aplicação para o primeiro plano. Ele testa os limites da ideia, descartando sua elegância, seus refinamentos, sua delicadeza, sua decência, seus complementos. O brutalismo não se importa com a causa maior da civilidade e da beleza dos resultados. Interessa-se somente pela funcionalidade pura das partes e desafia qualquer um a questionar a aparência e a sensação passada pelo aparato ideológico. Quem questiona é desprezado, tido como insuficientemente dedicado ao núcleo da teoria, que, ela mesma, é afirmada sem contexto ou consideração estética.”
A preocupação de Tucker com “elegância”, “refinamentos” e “delicadeza” tem a ver com sua predisposição a aceitar uma certa estética civilizada que esteve sempre implícita ao anarcocapitalismo. O monólogo de Tucker a respeito do creme de barbear e seu inseparável terno são elaborações desse mesmo tema. Com ele e Murray Rothbard, a gravata borboleta se tornou sinônimo de anarcocapitalismo: a “gravata ancap” já aparece em camisetas, posters e até no mascote do subreddit anarcocapitalista. Na conferência regional do ano passado do sul da Califórnia dos Estudantes Pela Liberdade, percebi que usar uma gravata borboleta era um sinal silencioso de “ancap” por causa de um novato que usava uma gravata borboleta e que, infelizmente, era um conservador-libertário que não foi avisado das regras de estilo. A inclinação ao “civilizado” de Tucker tem origem em suas perspectivas otimistas quanto ao futuro da impressão 3D, do bitcoin e da força do mercado em geral. O mercado é, afinal, o jeito ótimo de alocar recursos escassos que acabam produzindo as grandes maravilhas da civilização, então é de se esperar que seus defensores adotem a estética que reflita essa realidade. Em contraste a esse orgulho da produtividade e das mudanças sociais causadas pelo mercado está um desgosto pelo “incivilizado”. Historicamente, no movimento libertário do século 20, isso incluía o desprezo a sonhadores, espíritos livres, hippies e outros tipos que faziam parte da contracultura. A estratégia morta do paleolibertarianismo procurava rejeitar as preferências culturais e estéticas de esquerda. Llewellyn Rockwell, que ataca de forma fervente as concepções thick da liberdade, em outros tempos defendeu suas próprias ideias expansivas do libertarianismo:
“Em seu ensaio ‘The Case for Paleo-Libertarianism’, Rockwell acusava os libertários de forma geral de ‘odiarem a cultura ocidental’. Ele alegava que a ‘fotografia pornográfica, o ‘livre’-pensamento, pinturas caóticas, músicas atonais, a literatura desconstrucionista, a arquitetura Bauhaus e os filmes modernistas não têm nada em comum com o projeto político libertário — não importa o quanto os libertários individualmente se regozijem com essas manifestações’. Sobre os paleolibertários, ele escrevia que ‘obedecemos e devemos obedecer as tradições de modos e gostos’.”
Da mesma forma, Rothbard não deixava de mostrar seu desgosto em relação àqueles que sonhavam com um locus amoenus em seu ensaio Conservation in the Free Market (PDF):
“Uma das características mais inquietantes do movimento ambientalista é sua rejeição à tecnologia moderna e sua filosofia romântica de retorno à natureza. A tecnologia e a civilização são responsáveis, dizem eles, pela superpopulação, pela poluição e pela depredação de recursos, então devemos retornar à natureza virgem, ao lago Walden, à contemplação em uma clareira distante.”
Tanto para Rockwell quanto para Rothbard, isso tudo era mais que moralidade e estratégia. Eles já haviam estabelecido seus comprometimentos culturais e estéticos antes de o debate entre thick e thin começar no século 21. Enquanto os liberais clássicos do século 20 defendiam os individualistas do século 19 como companheiros na luta pelo livre mercado, ocasionalmente eles não poderiam parecer mais distantes, cultural, estratégica e esteticamente. Considere a rejeição acima de Rothbard dos tipos que defendem um “retorno romântico à natureza” com a prosa melancólica de Voltairine de Cleyre:
“Eu nunca quis nada além do que queriam as criaturas selvagens — um sopro de ar fresco, um dia em que deitar na grama com nada a fazer além de passar as folhas por meus dedos e observar por quanto tempo eu quisesse o céu azul, com suas telas brancas e esverdeadas; sair por um mês para flutuar, flutuar pelas ondas e entre as espumas, rolar nua pela areia limpa da cor do sol; a comida que eu gostasse seria tirada direto do chão, com o tempo para provar sua doçura e o tempo para descansar depois de comê-la; dormir quando viesse o sono e a quietude e que o sono me deixasse no momento certo, não antes — ar, espaço, descanso, nudez quando eu não quisesse me vestir e, quando quisesse, roupas que não me prendessem; a liberdade para tocar a mãe terra, para estar com ela durante a tempestade e o brilhar do sol, como estão as coisas selvagens — é isso que eu queria — isso e o livre contato com meus companheiros; não para amar e mentir e ter vergonha, mas para amar e dizer que amo, ficar satisfeita; para sentir as correntes de dez mil anos de paixão transbordarem, corpo a corpo, quando as coisas selvagens se encontram. Nunca quis nada além disso.”
Com o crescimento de grupos como o C4SS e a Alliance of the Libertarian Left e a inclusão de libertários de esquerda em grupos notórios como os Estudantes Pela Liberdade e a Young Americans for Liberty, essas distinções históricas se tornam mais contrastantes e relevantes. Ryan Calhoun já escreveu sobre esse novo desenvolvimento:
“Vejo uma divisão muito parecida entre os libertários atualmente. Há os jovens profissionais dos Estudantes Pela Liberdade e os libertários pessoais que se mudaram para New Hampshire para fumar maconha nus em parques públicos. Acho que não é discutível dizer que ambos são necessários e vão continuar a existir, mas acredito que os benefícios de uma contracultura libertária radical é subestimado. Mais que um movimento político, os libertários precisam de um movimento cultural. Um que enfatize a diferença entre os valores sociais atuais e suas alternativas.”
A questão é: o libertarianismo nunca teve um “movimento cultural” uniforme. Embora Jeffrey Tucker, Llewellyn Rockwell e Ron Paul elogiem a produtividade e a ética de trabalho tradicional, o blog de Nick Ford, AbolishWork.com, desafia o eixo estatal-corporativo e a ética de trabalho “protestante-puritana que permite que a ética de trabalho moderna subsista e destrua a vida das pessoas”. Como devemos, então, estabelecer a trajetória da cultura em uma ideologia com um comprometimento histórico nebuloso à cultura e à estética? Como Leonard Bernstein Bernstein perguntou no século 20 “música para quê?”, devemos perguntar “libertarianismo para quê?”? Embora os padrões culturais adequados já tenham sido discutidos, os comprometimentos estéticos ideais para os libertários são completamente diferentes. A ideologia libertária, inerentemente individualista, atrai e adota pessoas muito diferentes — muitas vezes idiossincráticas — de todos os lugares. Até mesmo em tendências mais rigidamente definidas do libertarianismo, como o próprio livre mercado anticapitalista do C4SS, há sub-subculturas com sua própria estética visível: aqueles defensores da ética da virtude de Roderick Long são um bom exemplo. Embora estejamos vendo o nascer de algumas divisões muito fortes dentro do debate entre thick e thin, como devemos, eu não acho que deveríamos esperar ver — ou querer ver — a mesma coisa acontecer com a “estética libertária”, se é que uma vai chegar a existir. Uma característica atraente e definidora do movimento pela liberdade é sua consideração ao indivíduo, então que estética é melhor do aquela que o indivíduo carrega consigo?
Traduzido para o português por Erick Vasconcelos.