Não sou fã de Noam Chomsky. Contudo, me impressionou sua descrição do anarquismo em uma entrevista recente:
“Trata-se primordialmente de uma tendência de suspeita e ceticismo quanto à autoridade, à dominação e à hierarquia. Ela procura as estruturas de hierarquia e dominação em toda a vida humana, que se estendem desde as famílias patriarcais até, digamos, sistemas imperiais e pergunta se esses sistemas se justificam.”
Primeiramente, sim. Exatamente, brilhante.
Porém, em segundo lugar, “famílias patriarcais” é algo que eu geralmente omitiria. A incisividade da afirmação, além do fato de que eu a reli para saber até que ponto eu a mencionaria, fez com que eu passasse novamente por ela e a percebesse.
A anarquia pergunta se as famílias patriarcais são justificadas.
Após anos de reflexão, que começaram quando eu ainda estava envolvida no cristianismo evangélico até eu passar a me identificar como deísta cristã não-praticante e anarco-capitalista, creio que sejam, às vezes.
Primeiro devemos pensar no que significa “justificado”. Não conheço o sistema moral de Chomsky, mas a julgar pelo fato de que ele é um anarco-sindicalista, eu imaginaria que a maximização da prosperidade humana não é seu objetivo ético principal.
Mas é o meu.
E o que eu decidi, após a observação das evidências, é que famílias patriarcais não conduzem à maximização da prosperidade humana. Por isso, não são justificadas.
Parte das razões por que eu deixei a igreja evangélica é por eu ter perdido a fé em seu sistema moral. Claro que estou fazendo generalizações e exageros aqui, mas, para deixar este ponto muito claro, eu resumiria a filosofia moral evangélica da seguinte forma:
“Pensamos que Jesus ou Paulo afirmaram que esta atividade é certa ou errada, o que a torna certa ou errada.”
A ideia de que é moralmente errado para mulheres ensinarem a homens, ou de que o sexo antes do casamento é errado, se justifica da mesma forma que a ideia de que as mulheres devem cobrir suas cabeças na igreja para estarem de acordo com os mandamentos de Deus. O fato de que elas não cobrem suas cabeças é claramente uma questão prática, mas apontar esse fato deixava meus colegas de igreja extremamente desconfortáveis.
Assim, eu também exagero e generalizo quando descrevo o sistema social do conservadorismo social da seguinte forma:
“Esta atividade é diferente da a atividade com a qual eu estou confortável e que é considerada correta há muito tempo.”
Embora meu conservadorismo social estivesse intimamente ligado ao cristianismo evangélico e tenha sido rejeitado junto com ele, eu também rejeito sua premissa. Aceitar ou rejeitar uma atividade como moral requer mais do que a aprovação de certas pessoas ou um longo histórico de aceitação. As empresas de táxi têm longo histórico. A carona compartilhada da Uber é melhor.
Eu compreendo, intelectualmente, a ideia de que os humanos sejam falíveis e incompletos em seu intelecto e sua compreensão. A ideia é que, uma vez que não somos oniscientes, precisamos de um poder sobrenatural para nos dizer como agir. É interessante que a fé no sobrenatural (mas não ser membro ou comparecer à igreja) tenha correlação negativa com educação formal e inteligência. É quase como se quanto mais fé uma pessoa tenha em seu intelecto e sua compreensão, menos ela se torna capaz de aceitar esse sistema moral em particular.
Porque quando você o analisa, o sistema moral evangélico se opõe ao intelecto, à compreensão e à informação. Deus nos ama, certo? Então certamente ele estabeleceria um sistema moral que servisse a nossos interesses. Certamente ser um cristão devoto nos tornaria mais ricos, felizes, realizados e nos faria viver vidas mais longas e saudáveis. Mas não, o Novo Testamento afirma claramente que seguir Jesus leva à alienação, à perseguição e ao sofrimento.
Eu nem sei. Não tenho certeza se quero isso para mim. Falo sério, eu não sei. Talvez eu devesse estar proclamando o Evangelho, sendo ostracizada e sacrificando minha felicidade terrena em troca da glória eterna. Eu sei, porém, que o código moral que eu pregava quando era evangélica, que rejeitava a homossexualidade, as drogas e defendia a virgindade até o casamento, era errado. E, pior, incrivelmente alienante e doloroso. Desde que eu percebi que seguir esse código moral havia me levado a um lugar de que eu não gosto de me lembrar, que machucava pessoas e tornava suas vidas mais difíceis, eu o abandonei e substituí.
Além disso, intelectualmente eu entendo a ideia socialmente conservadora de que uma vez que instituições como o casamento e a monogamia “funcionam” há milênios, elas devem ser protegidas e defendidas e que o desvio delas ameaça todo o sistema, devendo ser punido. Mas essas instituições funcionam para quem? Sim, o casamento e a monogamia, a modéstia feminina e a pureza sexual de fato ajudaram a estabelecer e manter casas estáveis com dois pais nas quais as crianças conseguiam crescer relativamente ilesas. Mas a que custo às mulheres? Não estamos confundindo causa e efeito aqui? Casamento estáveis, ou qualquer tipo de casamento, efetivamente, sempre estiveram fácil e prontamente disponíveis para os mais ricos, educados, inteligentes e emocionalmente fortes entre nós. É possível que sejam esses os fatores que compõem os bons lares de casados, e não o próprio casamento?
Além disso, é possível que estejamos testemunhando um ciclo vicioso em que nossas ideias sobre o espaço adequado das mulheres ajudam a mantê-las economicamente dependente, fazendo com que a possibilidade de ser mãe solteira seja dificultada pela pobreza e estimulando a ideia de que as mulheres deveriam ser mães dentro do laço matrimonial?
E mesmo além disso, é possível que a ideia do homem como chefe do lar (que é o acredito que Chomsky pretendia dizer ao falar das “famílias patriarcais”) só faça sentido quando as mulheres são pouco educadas? Agora que as mulheres se formam mais em universidades que os homens, por que entregar a tomada de decisões para a parte menos informada?
Outro dado que desafia a justificativa das famílias patriarcais é se faz sentido que os homens são chefes da casa quando suas esposas ganham mais que eles. Uma vez que mulheres solteiras e sem filhos nas cidades ganham mais que os homens, insistir que uma família seja comandada pelo homem só faz com que as mulheres rejeitem completamente o casamento, por falta de parceiros possíveis.
Não, eu vejo os dois sistemas morais como inexoravelmente defeituosos. Isso não significa dizer que eles sejam completamente errados, mas significa dizer que eu rejeito seus fundamentos. Não, não é suficiente para mim aceitar algo como moral porque Jesus ou Paulo afirmaram que era. Eu não cobrirei minha cabeça ao entrar na igreja, muito obrigada. E não, o fato de que as pessoas sempre fizeram isso e funcionava não é razão o bastante para que eu aceite esse ensinamento aqui e agora como algo que vale a pena ser feito. Você pode pegar sua advertência de que eu deveria me submeter a meu marido e enfiá-la onde o sol não brilha.
Meu sistema moral é essencialmente o seguinte: algo é moral se as evidências empíricas indicam que ele torna as pessoas mais felizes, conectadas ou ricas. É um sistema arbitrário? Muito. Eu poderia facilmente dizer que algo é moral quando ele aumenta a igualdade. E eu gosto da igualdade, mas eu a justifico pelas evidências de que a igualdade de oportunidades e a igualdade perante a lei geralmente conduzem à felicidade, retitude e prosperidade.
Basicamente, tudo isso faz parte do motivo por que eu sou uma anarca-feminista.
Traduzido para o português por Erick Vasconcelos.