As trocas mútuas são o objetivo do Centro em dois sentidos — nós defendemos uma sociedade baseada na cooperação pacífica e voluntária e buscamos estimular o entendimento através do diálogo contínuo. A série Mutual Exchange dará oportunidades para essa troca de ideias sobre questões que importam para os nossos leitores.
Um ensaio de abertura, deliberadamente provocador, será seguido por respostas de dentro e fora do C4SS. Contribuições e comentários dos leitores são muito bem vindos. A seguinte conversa começa com um artigo de Casey Given, “Qual o sentido de checar seus privilégios?“. Nathan Goodman, Kevin Carson, Casey Given e Cathy Reisenwitz prepararam uma série de artigos que desafiam, exploram e respondem aos temas apresentados no artigo original de Given. Ao longo da próxima semana, o C4SS publicará todas as suas respostas. A série final poderá ser acessada na categoria O sentido do privilégio.
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As críticas à teoria do privilégio, tanto aqui quanto em outros veículos, frequentemente se resumem às respostas das próprias pessoas que ela pretende esclarecer. E, eu concordo, especialmente se a pessoa for libertária, ela deve olhar para os efeitos de cada proposta, não apenas para suas intenções. De fato, é difícil encontrar qualquer teoria tão mal compreendida e desvirtuada que a do privilégio.
Assim, podemos tomar o caminho de Casey Given e considerar a teoria descartável. Porém, eu acredito que há alguns vieses enraizados que tornam as pessoas mais predispostas a ignorar a opressão e a rejeitarem qualquer tipo de análise estrutural, expressão ou pessoa que a menciona. E culpar a atrapalhada e mal aplicada análise por trás da expressão “cheque seus privilegios” pela existência e continuidade do problema parece uma perspectiva míope. É verdade que estamos removendo montanhas de neve com uma colherzinha de plástico, mas é a melhor ferramenta de que dispomos.
Os problemas com a teoria do privilégio são reais. Ela faz com que os brancos se sintam culpados, coletiviza e categoriza as pessoas. Ela, por si só, não é suficiente para estimular mudanças. Porém, todos esses problemas existem também em relação a qualquer reconhecimento da existência continuada do preconceito, não importa quais definições usemos para sua análise. Simplesmente não há nenhuma maneira de tornar a opressão mais visível em bases arbitrárias sem fazer com que as pessoas se sintam culpadas (ao menos algumas delas em parte do tempo) ou através da coletivização e da categorização das pessoas (o que também é conhecido como reconhecimento das identidades usadas pelos preconceituosos como base para seu comportamento opressivo). E, é claro, chamar essas coisas de opressão ou privilégio não vai acabar com elas por si só.
A opressão é desconfortável para cacete. Perceber que você entrou na corrida alguns passos na frente do cara na esquina que implora por uns centavos é bem desagradável. Qualquer coisa que ameace a certeza de que “você merece tudo aquilo que você tem” não é algo a que a maioria das pessoas estará disposta a aceitar. Todos têm maior experiência com sua própria opressão e é a ela que são mais simpáticos.
O fato de que checar privilégios seja algo extremamente mal compreendido e difamado não é prova de que não seja útil. Mas é evidência de que seja difícil.
A questão, portanto, é: os benefícios do reconhecimento do preconceito e da discriminação justificam o desconforto que ele gera?
Obviamente, depende dos seus valores. Se reconhecer a verdade é importante para você, então é útil. Como afirmou Kevin Carson:
“O privilégio é um conceito importante porque tem função explicativa e a percepção correta do mundo em que operamos é necessário para que essa operação seja efetiva. Aqueles que afirmam que não “veem raças” ou que “não veem cores” não são capazes de atuar adequadamente no mundo, da mesma forma que pessoas daltônicas, que de fato não conseguem distinguir cores, não conseguem saber a diferença entre luzes verdes e vermelhas no trânsito.”
Assim, o privilégio nos auxilia a identificar e reconhecer corretamente as opressões de base identitária. Como a maioria dos problemas, a discriminação não é consertada ao ser ignorada. Ignorar a discriminação jamais funcionou no passado e provavelmente não funcionará no futuro. Bem ou mal, solucionar problemas normalmente requer algum trabalho. O primeiro passo para essas soluções é admitir que o problema existe.
Portanto, eu admito que a análise do privilégio é só uma colherzinha para combater a avalanche de problemas institucionais, pessoais e governamentais por que somos cercados constantemente, quer admitamos ou não. Mas antes de jogarmos a colherzinha fora e passarmos a fingir que é tudo muito lindo, eu pergunto: existe uma alternativa?
Traduzido para o português por Erick Vasconcelos.