O movimento libertário americano não se recuperaria por décadas da cisão causada pela Guerra Civil dos Estados Unidos. Conflitos internos entre abolicionistas que eram favoráveis à guerra e à invasão do Sul, que enxergavam a guerra como inevitável e necessária para pôr um fim à escravidão, e aqueles que pensavam que a guerra era moralmente inaceitável e desnecessária para acabar com a escravidão fizeram com que o movimento libertário se dividisse em vários movimentos sociais radicais menores. Entre eles estavam o livre pensamento, o amor livre e o movimento trabalhista. Depois de 1865, a tradição individualista sobreviveu como parte dessas causas mais amplas, embora não como um movimento coeso. Dado o crescimento astronômico do estado devido à guerra e o declínio do pensamento radical individualista, parecia que a chama da liberdade havia se apagado.
Nascido em 17 de abril de 1854 em Massachusetts, Benjamin Tucker cresceu em uma família quaker e unitarista radical. Tucker se matriculou no MIT, mas após conhecer três importantes anarquistas individualistas (Ezra Heywood, William B. Greene e Josiah Warren) em uma convenção da New England Labor Reform League em Boston em 1872, Tucker se tornaria um ativista, jornalista e ensaísta anarquista. Se aliaria fortemente ao movimento trabalhista e teria algumas conexões com os movimentos do livre pensamento e do amor livre (assim como seus colegas). O núcleo comum em todo o seu pensamento, porém, era o individualismo.
Tucker construiu sua teoria do anarquismo individualista (que chamava de “anarquismo de Boston” para distingui-lo dos “anarquistas de Chicago”, que eram geralmente menos favoráveis às ideias de mercado e mais favoráveis à violência como meio para a mudança social) sobre os princípios da soberania individual e da teoria do valor-trabalho (que era aceita por muitos importantes economistas desde Adam Smith, mas que foi suplantada mais tarde dentro da profissão econômica pela revolução marginalista, encabeçada por Carl Menger, William S. Jevons e Leon Walras). Para os anarquistas do século 19, a teoria do valor-trabalho — de acordo com a qual o “custo é o limite do preço” — era a extensão natural da soberania do indivíduo sobre si mesmo. O trabalho era visto como a fonte de toda a riqueza e o trabalhador naturalmente tem propriedade sobre os frutos de seu trabalho como extensão de sua propriedade sobre si. A teoria do valor de Tucker estava intimamente ligada às suas visões éticas, segundo as quais cada indivíduo é o único legítimo soberano sobre seu corpo e sua propriedade justa, que requeria a mistura de seu trabalho.
Tucker e seus colegas anarquistas individualistas eram anticapitalistas, mas favoráveis ao livre mercado (PDF). Enxergavam o capitalismo como uma economia estatista que beneficiava artificialmente os capitalistas às custas dos trabalhadores através da extração do valor excedente do trabalho por rents artificiais. Tucker pensava que os frutos das classes trabalhadoras são sistematicamente e coercitivamente tomados pelas elites sob o estatismo. Ele via o estado como patrocinador da classe dominante. Identificava quatro grandes monopólios: o da moeda, da terra, das patentes e das tarifas (Charles Johnson já identificou ainda mais deles). O papel desses monopólios era concentrar capital nas mãos de poucos e criar um sistema de trabalho assalariado. A origem desses monopólios, porém, não está no livre mercado, mas no estado.
Ao invés de adotar uma retórica pró-capitalista e uma vez que os anarquistas americanos viam os capitalistas como braços do estado, eles eram bastante simpáticos ao termo “socialismo” (alguns anarquistas individualistas contemporâneos pretendem retomar o termo “socialismo” do jugo dos socialistas estatistas). Tucker acreditava que havia uma visão única que juntava todos os socialistas, de Warren e Proudhon a Marx, que era:
[Que] o custo é o limite do preço — esses três homens fizeram as seguintes deduções: que a remuneração natural do trabalho é o seu produto; que essa remuneração, ou produto, é a única fonte justa de rendimentos (ignorando, é claro, presentes, heranças etc.); que todos aqueles que derivam suas riquezas de qualquer outra fonte as extraem direta ou indiretamente da remuneração justa e natural do trabalho; que esse processo de extração geralmente toma três formas — juro, renda e lucro; que esses três constituem a trindade da usura e são simplesmente diferentes métodos de arrecadar tributos pelo uso do capital; que o capital, sendo apenas trabalho armazenado que já foi remunerado em sua totalidade, deve ser de uso gratuito, sob o princípio de que o trabalho é a única base do preço; que o credor de capital tem direito ao seu retorno intacto e nada mais; que a única razão pela qual o banqueiro, o acionista, o senhorio, o manufatureiro e o mercador são capazes de extrair usura do trabalho se deve ao fato de que são sustentados por privilégios legais — ou monopólios; e que a única forma de garantir que o trabalho usufrua de seu produto total, ou de sua remuneração natural, é acabar com o monopólio.
Tucker fazia uma distinção entre o socialismo de estado e o socialismo de mercado. Seu programa socialista individualista consistia “na destruição desses monopólios e na substituição deles pela livre concorrência” e se baseava “num princípio fundamental: a liberdade do indivíduo, seu direito soberano sobre si mesmo, sobre seus produtos e suas relações, e seu direito de rebelião contra as ordens de uma autoridade externa”. A abolição dos monopólios (isto é, a reforma econômica) se tornou o objetivo principal de Benjamin Tucker e sua missão era ser “um defensor da justiça para o trabalho”. Sobre suas duas maiores influências, Tucker escreveu:
Quando Warren e Proudhon, em sua luta pela justiça para os trabalhadores, se depararam com o obstáculo dos monopólios de classe, eles observaram que esses monopólios eram sustentados pela autoridade e concluíram que a coisa a ser feita não era fortalecer essa autoridade e assim tornar o monopólio universal, mas extirpá-lo totalmente e assim brandir o princípio oposto — a liberdade —, tornando a competição, a antítese do monopólio, universal.
Tucker rejeitava a visão de Marx e dos socialistas de estado, caracterizando-a como a “doutrina de que todas as relações humanas devem ser gerenciadas pelo governo, sem levar em consideração a escolha individual”, seguindo os ensinamentos dos individualistas (principalmente Warren e Proudhon):
Assim como a ideia de tirar o capital dos indivíduos e dá-los para o governo levou Marx a um caminho que termina ao transformar o governo em tudo e o indivíduo em nada, a ideia de tirar o capital dos monopólios protegidos pelo governo e colocá-los ao alcance de todos os indivíduos colocou Warren e Proudhon no caminho que termina na transformação do indivíduo em tudo e do governo nada. Se o indivíduo tem o direito de governar a si mesmo, toda autoridade externa é tirânica. Daí a necessidade de se abolir o estado.
São precisamente as barreiras à entrada e as regulamentações econômicas criadas pelo estado que impedem a competição e, portanto, concentram o poder econômico e os recursos nas mãos de algumas poucas elites políticas. De acordo com Tucker, a exploração capitalista, à qual Marx legitimamente se opunha, se baseia na autoridade do estado. A rejeição da autoridade significa a adoção do “anarquismo, que pode ser descrito como a doutrina de que todas as relações humanas devem ser gerenciadas pelos indivíduos ou por associações voluntárias e de que o estado deve ser abolido”.
Tucker, em seu “jeffersonianismo sem medo” deu origem a um novo movimento libertário em 1881 quando fundou o jornal Liberty, um canal de divulgação daquilo que Tucker chamava de anarquismo filosófico, especificamente de sua própria variedade, que incorporava o pensamento pró-trabalho, pró-mercado e egoísta, influenciado fortemente por Josiah Warren, Pierre-Joseph Proudhon (o autor do slogan do jornal, “A mãe, não a filha da liberdade”), Herbert Spencer e Max Stirner. O periódico servia como divulgação de suas visões na cena política radical americana e também como plataforma para um discurso que moldaria a tradição individualista e o movimento libertário para sempre.
Os individualistas, juntamente com os livre-pensadores, o amor livre e o movimento trabalhista foram unidos pelo jornal Liberty, que publicava os trabalhos de radicais influentes como Lysander Spooner, Auberon Herbert, Joshua K. Ingalls, John Henry Mackay, Victor Yarros e Wordsworth Donisthorpe. Suas páginas traçaram e criaram vários debates internos e controvérsias dentro da tradição radical individualista por três décadas e, de acordo com Wendy McElroy, “forneceram um núcleo em torno do qual um movimento revitalizado poderia surgir e crescer”. Ao reunir as tradições individualistas remanescentes da cisão da Guerra Civil, Tucker e Liberty foram instrumentais no renascimento do movimento libertário americano e vitais para seu sucesso no século 20.
O jornal do livre pensamento Boston Investigator deu boas-vindas à primeira edição de Liberty em 1881 dizendo: “O Sr. Tucker tem a capacidade, a indústria, o radicalismo e a independência para fazer um jornal interessante e sugestivo”. O jornal claramente ultrapassou as expectavias.
Em 1908, no entanto, Liberty chegava ao fim da linha e em 1930 meu radical de Boston preferido também já pensava que a própria liberdade tinha acabado:
[O] obstáculo insuperável à realização da Anarquia não é mais o poder dos trustes, mas o fato incontestável de que nossa civilização está à beira do colapso. Talvez duremos ainda alguns séculos; por outro lado, uma década pode precipitar nosso fim. (…) Uma idade das trevas é certa. O Monstro, o Mecanismo, está devorando a humanidade.
Nove anos mais tarde, Benjamin Tucker morria acreditando que a chama da liberdade havia se apagado permanentemente. Eu espero que, quase cem anos depois, o movimento libertário que deve seu renascimento e sua existência à chama de Tucker em 1881 não deixe que sua chama radical e independente jamais se apague.
Traduzido por Erick Vasconcelos.