O artigo do New York Times que fala sobre a morte da escritora Maya Angelou, que faleceu recentemente, diz o seguinte: “A característica distintiva da prosa da srta. Angelou era uma franqueza que remonta à tradição oral afro-americana e dá a seu trabalho a qualidade de testemunho.”
Testemunho. Nas igrejas batistas do sul do Alabama em que eu cresci, nós dávamos testemunhos. Com isso, falávamos dos nossos caminhos para a salvação. Falávamos de nossos encontros com Deus e com seu povo, antes da oração dos pecadores. Ao evangelizar, chamamos nossos depoimentos sobre Jesus de “testemunhos”.
Eu era menina quando li Eu sei por que o pássaro canta na gaiola, a primeira autobiografia de Angelou. O NYT a chama de “testemunha lírica do sul sob a legislação Jim Crow”.
Nós, cristãos evangélicos, sabemos que às vezes muitas pessoas precisam testemunhar a alguém várias vezes antes de serem salvas. Chamamos esses toques que precedem a salvação de “plantar a semente”.
Não há um momento capital, um caminho para Damasco no entendimento dos horrores do racismo nos Estados Unidos. Não há salvação ou oração de pecador. A certa altura, eu compreendi que não compreendia. Compreendi que nunca poderia compreender. Entendi que o racismo está muito longe de acabar. E entendi que ele se reverbera em tudo que vemos na era moderna.
Não tenho muita certeza de quando cheguei a entender as coisas assim. Eu olho para trás, porém, e vejo onde as pessoas plantaram as sementes para mim. Jacob Sullum, na revista Reason, plantou algumas quando escreveu sobre como a guerra às drogas destruía e continua a destruir as comunidades negras e latinas. Ta-Nehisi Coates plantou outras quando escreveu sobre a prática do redlining (a negação de serviços a certas áreas demográficas, especialmente separadas por raça). E Maya Angelou plantou ainda mais, quando eu era menina, ao testemunhar sobre o sul dos EUA das leis Jim Crow. De seu obituário do New York Times:
“Ficou conhecida por suas memórias, algo impressionante quando se considera que ela nunca pretendeu ser uma memorialista. Ao final de A Song Flung Up to Heaven, a srta. Angelou recontava sua resposta, quando Robert Loomis, que seria por muito tempo um de seus editores na editora Random House, pediu que ela escrevesse pela primeira vez uma autobiografia.
“Ela relutou a princípio, porque ainda planejava ser dramaturga e poetisa.
“‘Talvez você esteja certa em não tentar escrever uma autobiografia, porque é quase impossível escrever autobiografias como literatura’, disse ele. ‘Quase impossível.’
“‘Começo amanhã’, respondeu Angelou.”
Testemunho. Ninguém chega a Jesus ou reconhece o racismo sistêmico através de números, planilhas ou argumentos cuidadosos, embora as pessoas normalmente atribuam de forma errônea sua conversão a esses fatores. Algo tem que abrir seus olhos e corações em primeiro lugar. E esse algo é o testemunho. Maya Angelou deu seu depoimento. Ela testemunhou. Plantou as sementes. E sou eternamente grata.
Traduzido do inglês para o português por Erick Vasconcelos.