The following article is translated into Portuguese from the English original, written by Kevin Carson.
Numa das mais bizarras exibições de autoritarismo desde que O Patriarca, de Filmer, rastreou o direito divino dos monarcas absolutistas Stuart até Adão, David Brooks (“O Problema do Seguidor,” New York Times, 12 de junho de 2012) lançou-se recentemente a uma diatribe por atacado contra a “cultura adversarial” e o ceticismo dela em relação à “autoridade justa” — expressão que ele não usa menos de seis vezes.
Surpreendentemente, o alegado detonador de sua irrupção — digo “alegado” visto devermos considerar a possibilidade de Brooks apenas não estar tomando seus medicamentos — é a qualidade dos monumentos públicos dos dias passados em comparação com os dos dias de hoje.
Se você for aos memoriais de Lincoln ou de Jefferson em Washington, tenderá a erguer o olhar para eles com admiração. Lincoln e Jefferson são apresentados como encarnações da autoridade justa. … Os monumentos construídos nos dias de hoje são, em sua maioria, inutilidades. Isso por nada dizerem quanto à autoridade justa. O memorial da Segunda Guerra Mundial é uma nulidade. Nada diz acerca da guerra, ou de por que o poderio estadunidense foi mobilizado para combater nela. … Por que os projetistas dos memoriais de nossos dias não conseguem pensar diretamente em autoridade justa?
Ora, será pelo fato de as gerações do passado terem sido melhores em polir esterco? Não, obviamente não é isso — pelo menos não se você for David Brooks. O motivo, tal como apresentado por Brooks em seu desabafo “O tempora O mores!” é “Vivemos numa cultura que acha mais fácil atribuir condição moral a vítimas do poder do que àqueles que detêm o poder,” com a complicação adicional de “nossa fervente devoção à igualdade” e incapacidade de “exaltar pessoas que são imensamente superiores a nós.”
Os estadunidenses, nestes dias de adesivos “Questione a Autoridade,” não mais “tentam distinguir autoridades justa e injusta,” e sim apenas se opõem à autoridade em geral.
O próprio Brooks não explica, realmente, seu critério para distinguir autoridade justa de injusta. Seus exemplos de “autoridade justa” geralmente coincidem com a lista liberal ou neoconservadora de Grandes Presidentes — deuses cívicos estadunidenses análogos a Enéas, Rômulo e Numa Pompílio nos livros de Lívio. Assim, talvez se possa razoavelmente suspeitar Brooks exiba a mesma falta de juízo crítico que atribui aos antiautoritários. É aposta razoável a “autoridade justa” de Brooks significar apenas “autoridade,” com exceção de um punhado de personagens execráveis como Nabucodonosor, Napoleão, Stalin e Hitler o quais são reconhecidos como injustos porque — ahn — nossas autoridades assim afirmam.
O ceticismo cabal em relação à autoridade, porém — a assunção de que toda autoridade é injusta — é, defensavelmente, mais justificável do que a assunção contrária da parte de Brooks. Brooks queixa-se de que “[a] antiga cultura adversária dos intelectuais tornou-se num cinismo adversarial de massa. A assunção comum é as elites estarem sempre escondendo algo.” Minha nossa, que surpreendente — como explicar alguém ter chegado a uma assunção como esta? Não terá sido por ter sido decepcionado vezes demais?
Para os estadunidenses igualitários, lamenta Brooks, as pessoas no topo “nem de longe são tão inteligentes ou tão ótimas ou tão puras ou tão sapientes em tudo quanto Eu.” Em vez de hierarquias administradas por “autoridade justa,” esses liliputianos acreditam que “[o] mundo todo deveria ser como a Internet — uma semianarquia zerada onde a autoridade é suspeita e cada indivíduo é rei.”
O que quer venha a ser o conservadorismo de Brooks, ele não é, certamente, hayekiano. Por definição, as pessoas no topo de grandes instituições hierárquicas são estúpidas. Isso nada tem a ver com as habilidades de nascença dos indivíduos que administram as coisas, e sim tem tudo a ver com a natureza da própria hierarquia.
As relações de autoridade tornam as pessoas estúpidas, e as instituições são muito incompetentes no tocante a agregar o conhecimento de seus membros. As hieraquias filtram o fluxo ascendente de informação porque (nas memoráveis palavras de R.A. Wilson) ninguém diz a verdade a um homem que empunhe uma arma de fogo. O poder cria comunicações de mão única — o pesadelo do ciberneticista, para citar Wilson de novo — de tal maneira que as pessoas em posição de autoridade atuam sem o feedback ambiental acerca dos efeitos de suas ações indispensáveis à sanidade. Nas palavras do teórico da organização Kenneth Boulding:
Há abundante evidência de quase todas as estruturas organizacionais tenderem a produzir falsas imagens no tomador de decisões, e de que quanto maior e mais autoritária for a organização, maior será a probabilidade de seus mais altos tomadores de decisão atuarem em mundos puramente imaginários.
Mais ainda, as pessoas no poder tendem a ser sociopatas porque, como Robert Shea destacou em “Império da Escória Ascendente,” as hierarquias institucionais selecionam esse tipo de gente. Não importa qual seja o propósito original de uma instituição, esta tenderá a ser administrada pelo tipo de pessoa cujas habilidades precípuas são competência em disputas internas e capacidade de ascensão implacável. Nenhuma pessoa pode simplesmente tornar-se Presidente dos Estados Unidos ou Executivo Principal das 500 da Fortune sem haver algo fundamentalmente errado com ela.
E a posse de poder, ela própria, torna adicionalmente patológicos aqueles que o detêm. O poder é a capacidade de externalizar o custo e a desagradabilidade das decisões para as costas dos outros. Os economistas dirão a você que a externalização — o desacoplamento de custos dos benefícios, de tal maneira que os tomadores de decisão colham os benefícios de suas decisões enquanto outras pessoas arquem com os custos — cria incentivos perversos. Esse é o ambiente onde as pessoas em posição de autoridade vivem em cada momento quando acordadas. Exercer poder-sem-prestação-de-contas sem experimentar as consequências torna a pessoa — qualquer pessoa — moralmente insana.
Brooks reclama que “Vastas maiorias de estadunidenses não confiam em suas instituições. E isso não principalmente por nossas instituições terem desempenho muito pior do que tinham em 1925 e 1955, quando gozavam de ampla credibilidade.”
Verdade. Contudo, Brooks ignora a possibilidade de aquelas instituições realmente não terem funcionado tão bem no passado. Talvez a falha resida na ingenuidade de nossos avós e bisavós, em vez de em nosso ceticismo.
A reclamação de Brooks referente à falta de fé nas instituições é reafirmação quase direta da afirmação de Samuel Huntington há quarenta anos em A Crise da Democracia. Os Estados Unidos haviam funcionado depois da Segunda Guerra Mundial como “a potência hegemônica num sistema de ordem mundial” só por causa de uma estrutura interna ao país de autoridade política na qual o país “era governado pelo presidente atuando com o apoio e a cooperação de indivíduos e grupos decisivos no Executivo, na burocracia federal, no Congresso e nos mais importantes empresas, bancos, escritórios de advocacia, fundações e mídia, constituintes do establishment privado.”
Se você gosta do mundo em que vivemos, moldado por esse establishment, que Deus tenha piedade de sua alma.
Dê uma lida no livro escolar didático oficial da história de Roma, com Rômulo e Numa e todos aqueles outros semideuses, e há ali uma história verdadeira sob a superfície. A história escrita por Lívio acerca da antiga República é descrição principalmente de uma guerra de classes entre plebeus e patrícios: Nobres e latifundiários gananciosos tentando expropriar a terra e transformar as pessoas ordinárias em locatários esmagados por rentismo e usura, e camponeses retaliando.
O mesmo é verdade na história dos Estados Unidos. Aqueles Pais Fundadores e Grandes Presidentes parecem poderosos, dignificados em seus pedestais, mas deem uma olhada subindo pelas vestes deles e notem que o traseiro deles é muito parecido com o de todas as outras pessoas. As reais ações de nossos Grandes Presidentes não resistem muito ao olhar perscrutador. Ideologias oficiais, cultos do Grande Líder e tudo, existem para legitimar sistemas de poder. E sistemas de poder existem para beneficiar algumas pessoas a expensas de outras.
Historiadores como Charles Beard e Merrill Jensen fizeram muito bom trabalho mostrando exatamente a quais interesses santos ilibados como George Washington realmente serviram. E Gabriel Kolko fez o mesmo em relação a Franklin Delano Roosevelt – FDR. George Washington só foi maior do que nossos políticos porque, através do telescópio da história, as coisas parecem maiores. Ele serviu aos interesses dos grandes barões de terras e a especuladores em títulos da guerra em Continentais, exatamente do mesmo modo que presidentes recentes serviram aos interesses do Goldman-Sachs. FDR combateu via Segunda Guerra Mundial para preservar um sistema de poder corporativo, e entrou em conluio com Churchill para estabelecer tal sistema de poder em dimensão mundial.
Noam Chomsky caracterizou a Guerra Fria, “como primeira aproximação,” como guerra pela União Soviética contra seus satélites e pelos Estados Unidos contra o Terceiro Mundo, justificada, de cada lado, pelo útil espectro da outra superpotência como ameaça oficial. Do mesmo modo que a União Soviética na Europa Oriental, o sistema corporativo estadunidense de poder mundial tem sido mantido por uma bota pisando uma face humana: infindáveis invasões, genocídios, golpes e esquadrões da morte, com tributo de milhões de vidas. Leia só“A Morte da Esperança,” de William Blum.
As pessoas acreditam que aqueles com autoridade detêm-na em benefício de si próprios, porque é o que acontece. E o mesmo acontecia, também, nos Bons Velhos Tempos. Embora Brooks deixe escapar o ponto, há uma estranha simetria entre “vítimas do poder” e “aqueles que detêm o poder.” Isso acontece porque o poder é sempre exercido de tal forma que cria vítimas. Há bom motivo para isso. As pessoas geralmente não têm de ser coagidas a fazer coisas que consultam seus próprios interesses. Alguém só exerce poder sobre outras pessoas quando deseja assaltá-las.
A história humana, da ascensão dos primeiros estados e dos primeiros sistemas de classe, tem sido uma guerra entre as pessoas que possuem o mundo e aquelas que vivem nele — e o objetivo dessa guerra tem sido compelir essas últimas a trabalhar em benefício daquelas primeiras. Se você não acha isso tão edificante quanto a versão Pequena Escola Vermelha da história estadunidense, ou acha que há alguma perda de inocência decorrente de descobrir que as instituições estadunidenses são (nas palavras de George Carlin) “um grande clube, e você e eu não pertencemos a ele” — aguente o tranco. Você também não acredita mais em Papai Noel e no Coelhinho da Páscoa.
Artigo original afixado por Kevin Carson em 22 de junho de 2012.
Traduzido do inglês por Murilo Otávio Rodrigues Paes Leme.