A Inglaterra não é povo livre, porém os pobres que não têm terra têm livre permissão para amanhar e trabalhar as [terras] comuns… – Gerrard Winstanley, 1649
Centro por uma Sociedade sem Estado Paper Nº 13 (Verão/Outono de 2011)
I. Ascensão e Persistência da Comuna de Vila.
A comuna de vila foi, quase universalmente, o modelo dominante de propriedade nas sociedades que, até o momento, na história humana, mais de perto se aproximaram do ideal libertário de ausência de estado e associação voluntária. No mais alto ponto de desenvolvimento humano antes da ascensão do estado – as vilas sem estado e as cidadezinhas de pequeno mercado que existiam em paz sem pagar tributo a conquistadores imperiais – a propriedade comum da terra pela comuna camponesa era quase universal. [6]
A propriedade comunal da terra era a regra nas sociedades de vila sem estado do período neolítico, desde a Revolução Agrícola até a ascensão dos primeiros estados. O padrão interno da comuna de vila, onde encontrado, tipicamente se aproximava do estudo de caso hipotético das práticas de posse tradicionais descritas por James Scott:
Imaginemos uma comunidade onde famílias têm direitos de usufruto de parcelas da terra agricultável durante a estação principal de cultivo. Só determinadas lavouras, contudo, podem ser plantadas, e a cada sete anos a terra de usufruto é distribuída entre famílias residentes de acordo com o tamanho de cada família e seu número de adultos aptos para o trabalho. Depois da ceifa da lavoura da estação principal, toda a terra arável reverte à condição de terra comum onde qualquer família pode catar os restos da colheita, permitir que suas aves e animais comam/pastem, e até plantar lavouras de maturação rápida de estação seca. O direito de aves e animais comerem/pastarem estende-se a todas as famílias locais, mas o número de animais que pode ser alimentado é restringido de acordo com o tamanho da família, especialmente em anos de seca, quando o alimento para animais é escasso…. Todos têm o direito de juntar lenha para as necessidades normais da família, e o ferreiro e o padeiro da vila recebem quinhões maiores. Não é permitida venda comercial de bosques da vila.
Árvores plantadas e qualquer fruto que possam produzir são propriedade da família que as plantou, não importa onde estejam hoje crescendo…. É separada terra para uso próprio ou aluguel para viúvas com crianças e para dependentes de homens alistados….
Depois de fracasso de colheita levando a escassez de alimentos, muitos desses arranjos são reajustados. Espera-se que habitantes da vila em melhor situação assumam responsabilidade por parentes mais pobres — mediante compartir sua terra, mediante dar-lhes emprego, ou simplesmente mediante alimentá-los. Se a escassez persistir, um conselho composto por chefes de família poderá inventariar o suprimento de comida e dar início a racionamento diário. [7]
O modelo de comuna de vila rastreia suas origens, nas áreas mais antigas da civilização, até o começo da revolução agrícola, quando pela primeira vez os seres humanos começaram a cultivar lavouras em assentamentos permanentes de vila. Antes dessa época, o agrupamento social dominante era o grupo seminômade caçador-coletor. Ao os caçadores-coletores experimentarem economizar uma porção do que amealhavam, tornaram-se cada vez mais vinculados a assentamentos permanentes.
Nas áreas em que a posse comunal ressurgiu na Europa da Idade Escura, depois do colapso do poderio romano, a comuna de vila teve sua origem no assentamento de tribos bárbaras. (Mesmo na Europa, a comuna de vila era na verdade o ressurgimento de uma unidade social que havia anteriormente sido parcialmente suprimida, primeiro pela República Romana na Itália e mais tarde pelo Império em suas áreas de conquista).
Em ambos os casos, o grupo caçador-coletor ou o clã era uma unidade social móvel ou semimóvel baseada em relações de parentesco. Assim, a comuna de vila comumente tinha suas origens num grupo de colonos que se viam como membros do mesmo clã e compartilhavam ancestralidade comum, o qual arava a terra em busca de novo assentamento agrícola por meio de esforços comuns. Não era, ao contrário da cidade moderna, um grupo de indivíduos atomizados que simplesmente por acaso viviam na mesma área geográfica e tinham de negociar a organização de serviços públicos básicos e de utilidades públicas de um modo ou de outro. Era uma unidade social orgânica de pessoas que se viam, de certo modo, como parentes. Era um assentamento por meio de “união de famílias consideradas como de ascendência comum e possuidoras de certo território em comum.” Na verdade, na transição do clã para a comunidade de vila, o núcleo de uma comuna de vila recentemente fundada era amiúde um único complexo formado de família ampla ou parentela, compartilhando lareira e criação de animais em comum. [8]
Mesmo depois do clã fundador dividir-se em casas familiares patriarcais separadas e reconhecer a acumulação privada e a transmissão hereditária de riqueza,
o patrimônio era concebido exclusivamente sob a forma de propriedade móvel, incluindo gado, implementos, armas e a moradia…. Quanto à propriedade privada de terra, a comunidade da vila não reconhecia, nem podia reconhecer, qualquer coisa da espécie e, regra geral, não a reconhece hoje…. Sendo a abertura de clareiras nos bosques e o amanho das pradarias efetuados na maioria das vezes pelas comunidades ou, pelo menos, pelo trabalho conjunto de diversas famílias — sempre com o consentimento da comunidade — os terrenos desmatados eram mantidos por cada família por período de quatro, doze ou vinte anos, após o que eram tratados como partes da terra arável possuída em comum. [9]
E mesmo quando uma liga de famílias diferentes assentava em conjunto nova vila, logo desenvolvia uma mitologia de ancestral comum como base de solidariedade social. [10] Como veremos adiante, os grupos atomizados de camponeses sem terra que Stolypin deportou para estabelecerem novas colônias de vilas na Sibéria organizaram espontaneamente as novas vilas em torno do principio da mir de propriedade comum (a despeito da visão de Stolypin de herdades de famílias individuais com fee simple). A comuna de vila foi, portanto, exemplo do tipo de estabelecimento coletivo descrito acima por Roderick Long.
Em algumas das variações da comuna da vila, por exemplo na Índia e em muitas das tribos germânicas, argumentou Henry Sumner Maine, havia direito teórico do indivíduo de seccionar sua fatia proporcional de terra comum do resto e possuí-la individualmente. Isso porém quase nunca era feito, disse Maine, porque era muito pouco prático.
Um dos motivos era que a separação do patrimônio de alguém da terra comum da comuna era vista como análogo ao divórcio de alguém de uma comunidade organizada, com estabelecimento do núcleo de uma nova comunidade ao lado (ou dentro) daquela, e requeria certo cerimonial intricado para sua conclusão legal. E as relações subsequentes do camponês individual com a comunidade, consequentemente, passariam a exibir a complexidade e os melindres existentes entre duas sociedades organizadas. [11] Tantas funções do ano agrícola, como sulcar a terra e a colheita, estavam organizadas em parte coletivamente, que os custos de transação implicados na organização de esforços cooperativos entre indivíduos apartados e o resto da comuna eram praticamente proibitivos.
Quando a grande maioria de uma sociedade considera a propriedade comum como o modo normal de fazer as coisas, e o método normal de organizar funções sociais pressupõe esse estado de coisas como plano de fundo, mesmo quando não haja qualquer impedimento legal de o indivíduo separar sua fatia de propriedade da propriedade comum haverá provavelmente dependência em relação ao passado que tornará dispendioso e pouco prático fazê-lo. Um sistema social dado, mesmo se a participação em suas instituições for formalmente completamente voluntária e não houver barreiras coercitivas à saída, tende a funcionar como plantas rasteiras, que criam um ecossistema de intertravamento e inviabilizam alternativas, ou como uma floresta de uma só espécie de árvores que exclui outras espécies por meio de criar excesso de sombra. [12]
Kropotkin resumiu, em linguagem abrangente, a universalidade da comuna de vila como alicerce da sociedade:
Hoje se sabe, e é escassamente contestado, que a comunidade de vila não era uma característica específica dos eslavônios, nem mesmo dos antigos teutões. Ela prevaleceu na Inglaterra durante tanto a época dos saxões quanto dos normandos, e sobreviveu parcialmente até o século passado; estava na base da organização social da antiga Escócia, da antiga Irlanda, e do antigo País de Gales. Na França, a posse comunal e o aquinhoamento comunal da terra arável pela assembleia da vila persistiram desde os primeiros séculos de nossa era até a época de Turgot, que achava as assembleias “barulhentas demais” e pois as aboliu. Sobreviveram ao poder romano na Itália, e ressuscitaram após a queda do Império Romano. Eram a regra entre os escandinavos, os eslavônios, os finlandeses (na pittaya, como também, provavelmente, na kihla-kunta), os Coures, e os Lives. A comunidade de vila na Índia — passada e presente, ariana e não ariana — é bem conhecida por meio das obras que marcaram época de Sir Henry Maine; e Elphinstone descreveu-a entre os afegãos. Também a encontramos nos ulus da Mongólia, nos thaddart dos cabilas, nos dessa javaneses, nos kota or tofa malaios, e com diversos nomes na Abissínia, no Sudão, no interior da África, entre os nativos de ambas as Américas, em todas as tribos pequenas e grandes dos arquipélagos do Pacífico. Em suma, não conhecemos uma única raça humana ou uma única nação que não tenha tido seu período de comunidades de vila…. É anterior à servidão, e até submissão servil foi impotente para quebrá-la. Foi uma fase universal da evolução, resultado natural da organização do clã, com todas aquelas ramificações, pelo menos, que tomaram, ou ainda tomam, alguma parte na história. [13]
Vemos uma versão dessa propriedade comunal no sistema de Jubileu de Israel, como mais tarde idealizado na Lei Mosaica pelos redatores clericais e deuteronômicos de Levítico e Deuteronômio, e que havia realmente existido em maior ou menor grau no período dos Juízes. A propriedade última da terra era da tribo, do clã e da família — para quem revertia no ano do Jubileu (cada quadragésimo nono ou quinquagésimo ano — há alguma disputa acadêmica). As vendas de terra eram em realidade arrendamentos a longo prazo, com o preço sofrendo descontos dependendo de quantos anos faltassem até o Jubileu. Entre os regimentos consuetudinários que regulamentavam os haveres individuais e da família estava a permissão de respigar. É provável que as descrições bíbilicas de uma revelação oriunda do Monte Sinai desempenhassem função similar à do ancestral totêmico como legitimação da propriedade comunal, legitimando uma sociedade da Idade do Bronze que precedeu a Torá. À época dos Juízes, até os assim chamados documentos J e E provavelmente existiram apenas como poesia épica preservada em forma oral, com as tribos de Israel existindo como liga anfictiônica centralizada em Betel ou Siló.
O profeta Isaías escreveu acerca da “privatização” (isto é, do cerco) com violação da lei do Jubileu pela oligarquia fundiária, nessa passagem da Bíblia: “Ai dos que ajuntam casa a casa, que reúnem campo a campo, até que não haja mais lugar, e ficam como únicos moradores no meio da terra!” (Isaías 5:8) Um cercador inglês, Lord Leicester, disse mais tarde em linguagem muito parecida: “É coisa melancólica ficar sozinho no próprio campo. Olho ao redor, e a única casa que vejo é a minha. Sou o gigante do Castelo do Gigante, e devorei todos os meus vizinhos.” [14]
Henry Sumner Maine, escrevendo no século dezenove, destacou as comunas de vila da Índia como a versão mais fiel do que antigamente era uma instituição comum a todas as ramificações da família indo-europeia.
A Comunidade de Vila da Índia é ao mesmo tempo uma sociedade patriarcal organizada e um grupo de coproprietários. As relações pessoais entre os homens que a compõem estão indissociavelmente amalgamadas com seus direitos de propriedade, e às tentativas de funcionários ingleses de separar aquelas destes podem ser atribuídos alguns dos mais clamorosos equívocos da administração anglo-indiana. Sabe-se que a Comunidade de Vila é imensamente antiga. Qualquer tenha sido a direção tomada pela pesquisa na história indiana, geral ou local, sempre encontrou a Comunidade existindo no mais distante ponto de seu progresso…. Conquistas e revoluções parecem ter passado por cima dela sem perturbá-la ou desalojá-la, e os mais benéficos sistemas de governo da Índia têm sido sempre aqueles que reconheceram-na como a base da administração. [15]
Do mesmo modo que Kropotkin, Maine viu a propriedade conjunta da terra na comuna de vila como enraizada, em sua origem, num grupo de famílias compartindo ascendência comum. “[A] forma mais simples de uma Comunidade de Vila indiana,” escreveu ele, é apenas “um grupo de parentes tendo um domínio em comum…” [16] Embora esse processo de formação de uma Comunidade de Vila a partir de um grupo amplo de parentes abrangendo diversas famílias aparentadas “possa ser visto como típico,” havia muitas exceções. Mesmo em vilas fundadas por “um único grupo de pessoas com relações de sangue,” ainda assim “homens de estirpe alheia sempre, de tempos em tempos, eram nele enxertados” e “recebidos na irmandade.” E havia também vilas que “parecem ter surgido não de uma, e sim de duas ou mais famílias; e há algumas cuja composição é sabidamente inteiramente artificial…” [17] Ainda assim todas essas vilas criaram um mito de “parentesco original,” ainda quando a “assunção de origem comum… [esteja] por vezes notoriamente em desacordo com os fatos….” A vila funcionava com base na ficção da origem comum, sendo ouum “grupo com vínculos de sangue” ou “corpo de coproprietários formado segundo o modelo de associação de parentes.” [18]
Como a referência de Maine à administração da Índia sugere, a comuna de vila continuou em disseminada existência mesmo depois da ascensão do estado, equivalendo, internamente, a uma sociedade sem estado com uma camada parasitária de reis, clérigos, burocratas e senhores fundiários feudais a ela superposta. A comuna de vila estava “sob domínio de reis relativamente poderosos” que extorquiam tributo e alistavam soldados dela, “mas não se intrometiam de outras maneiras nas sociedades agrícolas.” [19] O relacionamento do estado com os governados fazia-se por meio da vila como unidade, em vez de do exercício de autoridade regulamentadora das relações entre indivíduos.
Na Rússia, Maine viu a legalização da servidão sob os tsares como uma imposição aplicada a um sistema social preexistente, isto é, “a vetusta organização da vila.” [20]
Onde a comuna de vila persistiu, o estado lidava pouco, ou apenas indiretamente, com os indivíduos. Lidava com os camponeses apenas coletivamente, por meio da comuna.
O estado premoderno e o estado moderno inicial… lidavam mais com comunidades do que com indivíduos no tocante a tributos. Alguns tributos aparentemente individuais, como o notório “tributo sobre a alma” russo, o qual era coletado de todos os súditos, eram na verdade pagos diretamente pelas comunidades ou indiretamente por meio dos nobres dos quais as pessoas eram súditas. A não entrega da soma requerida levava a punição coletiva. Os únicos agentes de tributação que regularmente chegavam ao nível da família e dos campos por ela cultivados eram a nobreza local e os clérigos no processo de coletar tributos feudais e o dízimo religioso. De sua parte, o estado não dispunha nem das ferramentas administrativas nem da informação necessária para penetrar até esse nível.
O estado premoderno e o estado moderno inicial… lidavam mais com comunidades do que com indivíduos no tocante a tributos. Alguns tributos aparentemente individuais, como o notório “tributo sobre a alma” russo, o qual era coletado de todos os súditos, eram na verdade pagos diretamente pelas comunidades ou indiretamente por meio dos nobres dos quais as pessoas eram súditas. A não entrega da soma requerida levava a punição coletiva. Os únicos agentes de tributação que regularmente chegavam ao nível da família e dos campos por ela cultivados eram a nobreza local e os clérigos no processo de coletar tributos feudais e o dízimo religioso. De sua parte, o estado não dispunha nem das ferramentas administrativas nem da informação necessária para penetrar até esse nível.
O conflito político central da República Romana, tal como descrito em Livy, foi a tentativa dos patrícios de apropriarem-se e cercar — “privatizar” — terras comuns em relação às quais todos os membros da comunidade tinham direitos legais de acesso.
O sistema de campo aberto da Inglaterra, o qual foi gradualmente erodido por cercos de terra arável (principalmente para pastagem de ovelhas) a partir da Idade Média tardia, foi outra versão do mesmo sistema inicial de propriedade comunal teutônico — o Marco Arável e o Marco Comum — cujos resquícios von Maurer observou na Alemanha.
Foi uma evolução mais tardia do sistema que Tácito havia observado entre as tribos germânicas. O sistema que Tácito observou era usado pelos teutões quando quando eles eram seminômades e tinham acesso a extensos insumos de terra. Era um sistema de campo aberto com rodízio das glebas familiares intercaladas, mas com um único campo. Quando o solo se exauria, a comunidade mudava-se e cultivava solo novo. Esse — provavelmente o primeiro sistema usado à época da revolução agrícola — só podia, obviamente, funcionar com pequenas densidades de população. A primeira adaptação ao as tribos se estabelecerem e ao a quantidade de terra vaga declinar foi um primitivo sistema de dois campos, com metade da terra arável mantida ociosa cada ano. Quando os descendentes remotos dos germanos dos quais falou Tácito foram observados na Inglaterra, eles haviam progredido para o sistema pleno de três ou quatro campos. [21]
O Marco Arável, e sua contraparte inglesa, o campo aberto, era um sistema de três campos com rodízio de glebas familiares em cada campo e uma redivisão periódica de áreas plantadas entre as famílias. O Marco Comum consistia em terra inculta, pequena área para obtenção de madeira, e pastagens, tendo cada família direito definido de uso de alguma parcela.22 Eis aqui como William Marshall descreveu o sistema de campos abertos em 1804:
Neste lugar basta estatuir que, há muito poucos séculos, praticamente a totalidade das terras da Inglaterra encontrava-se em estado aberto e era mais ou menos usada em comum…. [O] dito a seguir poderá servir para transmitir uma ideia geral do que pode ser chamado de Cidadezinhas de Campo Comum, por toda a Inglaterra.
Nesse engenhoso modo de organização, cada paróquia ou município era considerado como uma única fazenda comum; embora os arrendatários fossem numerosos.
Em torno da vila, onde os arrendatários residiam, havia alguns pequenos terrenos cercados, ou quintais de capim; para criar bezerros, e como lugar para parada para alimentação de animais e criadouro para outros animais de fazenda. Era a área comum de fazenda, ou de suas construções….
Em torno das construções estendia-se uma série de campos aráveis; inclusive os mais profundos e melhores dos solos mais baixos, situados fora do caminho das águas; para plantar milho e leguminosas; bem como para produzir alimento e filhotes para gado e cavalos na estação do inverno.
E, na mais baixa localização…, projetando-se entre as terras aráveis, uma extensão de prados…, para fornecer suprimento de feno, para vacas e animais de tração, nos meses de inverno e primavera.
Nas cercanias das terras aráveis, onde o solo está adaptado para pastagem de gado, ou… menos adaptado para cultivo…, uma ou mais pastagens limitadas, ou enchimentos, eram dispostas para ordenha de vacas, gado de tração, ou outros animais que requeressem pastagens superiores no verão.
Enquanto as terras mais sombrias, de pior solo, e mais distantes da vila eram deixadas em seu estado nativo selvagem; para madeira e combustível; e para pastagem comum….
E para que a coisa toda pudesse ser sujeitada ao mesmo plano de gerência, e fosse conduzida como uma só fazenda, as terras aráveis eram ademais divididas em compartimentos, ou “campos,” de tamanho aproximadamente igual, e geralmente em número de três, para receber, em constante rotação, a sucessão trienal de terra mantida ociosa, trigo (ou centeio) e lavouras de primavera (como malte, aveia, feijão e ervilha)…. [23]
O sistema de campo aberto, de acordo com J. L. e Barbara Hammond, era “mais antigo do que ordem senhorial…. O elemento senhorial… está superposto ao comunal…: a vila medieval é uma vila livre gradualmente feudada.” Tão tarde quanto em 1685, estimtivamente 85% da terra arável restante que não havia sido convertida em pastagem estava organizada segundo o modelo de campo aberto. [24]
A mir ou obshchina russa era essencialmente uma variante do mesmo sistema primevo de campo aberto que prevalecia na Europa Ocidental, mas com um estado muito mais despótico do que a estrutura feudal da Europa Ocidental a ele superposta.
A visão de Marx do caráter único do “modo de produção asiático,” e do atraso que resultava da ausência de propriedade privada da terra e da predominância da propriedade coletiva da vila com o estado como senhorio, provavelmente refletia a limitada compreensão da época da extensão em que o sistema de campo aberto havia persistido na Idade Média. A principal diferença entre o “modo asiático” e o sistema de campo aberto da Europa Ocidental era que, no primeiro caso, um estado central despótico ficava superposto como camada parasitária em cima da sociedade comunal camponesa, enquanto, no segundo caso, era um padrão de organização feudal que recobria a comuna camponesa.
O modo asiático de Marx na Índia era essencialmente uma variante do sistema de campo aberto, mas — como na mir russa — com um estado imperial despótico, em vez de um sistema feudal, superposto a ele. Como descrito por Maine:
Fosse empregada linguagem muito geral, a descrição das comunidades de vila teutônicas ou escandinavas poderiam em realidade servir como descrição da mesma instituição na Índia. Havia o marco arável, dividido em lotes separados mas cultivado de acordo com minuciosas regras consuetudinárias aplicáveis a todos. Sempre que o clima admitisse lavouras de grama melhores, havia os prados reservados, situados geralmente nas orlas da terra arável. Havia a terra inculta, ou terra comum, da qual o marco arável havia sido seccionado, aproveitado como pastagem por toda a comunidade pro indiviso. Havia a vila, consistindo de habitações cada uma das quais governada por um despótico pater-familias. E havia constantemente um conselho de governo para decidir disputas de acordo com a tradição. [25]
O “despótico pater-familias” — aparentemente uma instituição indo-europeia comum, e também observado entre os latinos arcaicos — é obviamente algo a que os libertários farão objeções morais. Contudo, um sistema mais democrático de governo dentro da família de modo nenhum afeta a posse comunal.
Fim de [I]
[6] Ressalvas à terminologia de P.M. Lawrence via email privado.
[7] James Scott, Vendo as Coisas Como um Estado: Como Certos Esquemas para Melhorar a Condição Humana Falharam (New Haven e Londres: Yale University Press, 1998), pp. 33-34.
[8] Pyotr Kropotkin, Ajuda Mútua: Fator em Evolução (New York: Doubleday, Page and Company, 1909), pp. 120-121, 123, 123 fn1.
[9] Ibid., pp. 124-125.
[10] Ibid., pp. 125-126.
[11] Henry Sumner Maine, Lei Antiga (Londres: J.M. Dent and Sons Ltd, 1960 (1861)), pp. 159-160.
[12] Sou devedor dessa analogia a P.M. Lawrence, polímata australiano de erudição quase sobrenatural que tem sido frequente correspondente por email e comentador sob minhas postagens de blog e colunas online ao longo dos anos.
[13] Kropotkin, Ajuda Mútua, pp. 121-122.
[14] W. E. Tate, O Movimento do Cerco (New York: Walker and Company, 1967), p. 90.
[15] Henry Sumner Maine, Lei Antiga, p. 153.
[16] Ibid., p. 154.
[17] Ibid., pp. 154-155.
[18] Ibid., pp. 155-156.
[19] Henry Sumner Maine, VComunidades de Vila no Oriente e no Ocidente. Terceira Edição (New York: Henry Holt and Company, 1890), pp. 159-160.
[20] Maine, Lei Antiga, p. 157.
[21] Tate, O Movimento do Cerco, pp. 40-41.
[22] Maine, Comunidades de Vila, pp. 78-87.
[23] William Marshall, Tratado Elementar e Prático de Propriedade Fundiária, citado em Maine,Comunidades de Vila, pp. 90-93.
[24] J. L. e Barbara Hammond, O Assalariado da Vila: 1760-1832 (Londres: Longmans, Green, and Co., 1913), pp. 26-27.
[25] Maine, Comunidades de Vila, pp. 107-108