The following article is translated into Portuguese from the English original, written by Kevin Carson.
Nicholas Kristoff, num artigo opinativo doNew York Times (“Nossa Instituição Militar Esquerdinha,” 16 de junho), louva o “etos espantosamente liberal” que prevalece internamente à instituição militar — seguro-saúde de caixa único, segurança no emprego, oportunidades educacionais, creche grátis para crianças — em apoio à descrição que dela faz o General Wesley Clark- “a mais pura aplicação de socialismo que existe.”
Para mim — declarado socialista libertário, bem como anarquista de mercado — pelo menos dois erros palmares se distinguem aqui. Primeiro, quando penso em “socialismo” penso em todas as coisas libertadoras originalmente associadas a esse termo desde os dias do começo da classe trabalhadora e do movimento socialista clássico no século dezenove: Fortalecimento do poder da classe trabalhadora, controle da produção pelos trabalhadores e todo o resto. Tanto quanto eu saiba, a instituição militar dos Estados Unidos não está organizada como uma cooperativa de trabalhadores, com soldados rasos elegendo os oficiais, gerindo o próprio trabalho ou votando se ir ou não à guerra. Obedecer a ordens de um chefe “porque eu disse” não é minha ideia de socialismo.
Segundo, a principal missão externa da instituição militar dos Estados Unidos é manter o mundo — ou antes os suínos corporativos que asseveram ser donos dele — a salvo de qualquer coisa que remotamente se assemelhe a fortalecimento do poder dos trabalhadores. Para mim, isso é bastante não-socialista. Nos últimos sessenta e quantos anos desde a Segunda Guerra Mundial (bem mais, em realidade), o foco primário da política de segurança nacional dos Estados Unidos tem sido o de proteger oligarcas latifundiários feudais da reforma agrária, proteger corporações de propriedade ocidental de nacionalização, atuar como coletor de última instância da loja do patrão conhecida como Banco Mundial, e dar poder ao draconiano protecionismo da “propriedade intelectual” que é o baluarte central do poder corporativo mundial nos dias de hoje. A missão primordial da instituição militar “socialista” de Kristoff é manter o mundo firmemente nas mãos de seus soberanos corporativos.
Fora isso, acho que Kristoff entende a coisa exatamente ao contrário: A instituição militar estadunidense é quase uma paródia da cultura corporativa estadunidense. Está eivada de hierarquia, com regras burocráticas de trabalho tayloristas/weberianas e procedimentos operacionais padronizados, e toda a irracionalidade que os acompanha. A única diferença é, os chefes incompetentes usam tipo diferente de uniforme. Se vocês alguma vez assistiram ao filme “Brazil,” ou leem Dilbert regularmente, pegaram a ideia.
Kristoff tem um ponto a seu favor: As diferenças de remuneração entre trabalhadores de produção e gerência superior são muito menores na instituição militar do que nos Estados Unidos Corporativos de hoje em dia. Isso, contudo, apenas significa que a instituição militar está mais estruturada de acordo com as linhas do capitalismo burocrático do velho estilo do “Homem Que Se Identifica Completamente Com a Organização” dos anos sessenta (como descrito por J.K. Galbraith), onde os salários do Chefe Executivo Principal eram normalmente apenas cinquenta vezes o de um trabalhador de produção, em vez do atual modelo patológico do capitalismo desenfreado onde é mais de quinhentas vezes.
A instituição militar, do mesmo modo que a grande corporação, é assolada por altos custos gerais (o custo de treinar um soldado), e dispêndios de capital em haveres de longo prazo sujeitos a depreciação envolvendo enormes desperdícios. A instituição militar, do mesmo modo que uma corporação oligopolista, pode dar-se ao luxo de ser tão desperdiçadora porque não recai sobre ela o custo total de suas próprias atividades.
O sistema de contabilidade gerencial prevalecente nos Estados Unidos Corporativos, inventado há quase um século por Donaldson Brown, da DuPont e da GM, equaliza consumo de insumos com criação de valor. Vocês sabem, como na economia centralizadamente planejada da União Soviética. Custos administrativos tais como salários da gerência, juntamente com desperdiçadores desembolsos de capital em haveres de longo prazo sujeitos a depreciação, são incorporados — por meio da prática conhecida como “absorção de despesas gerais” — ao preço de transferência dos bens “vendidos” ao estoque. E, num mercado oligopolizado, a corporação consegue repassar esses custos — mais uma margem estipulada de lucro — ao consumidor por meio de preços administrados. A instituição compartilha desse sistema de preços, com seus incentivos para maximizar custos (Paul Goodman chamou-o de “o grande reino do custo acrescido de margem”). Vocês já ouviram falar daqueles vasos sanitários de $600 dólares? Só que no caso da instituição militar os preços administrados são chamados de “tributação.”
Em suma, a instituição militar, do mesmo modo que a grande corporação, é uma instituição gigantesca, burocrática, irracional e autoritária que só consegue viver por meio do parasitismo — tornado possível graças ao estado — em relação à classe trabalhadora.
Artigo original afixado por Kevin Carson em 20 de junho de 2011.
Traduzido do inglês por Murilo Otávio Rodrigues Paes Leme.