Quantos mortos pela PM são o bastante?

Nesta quinta-feira (18/09), o camelô Carlos Augusto Muniz Braga foi morto por um policial militar na Lapa, zona oeste de São Paulo. O vídeo da tragédia, viralizado, mostra o momento em que o policial atira à queima-roupa. Carlos se afastou, mas caiu logo a seguir, ensanguentado.

Qual foi o crime de Carlos? Testemunhas relatam que um ambulante teve toda sua mercadoria – DVDs – apreendida pela polícia e, ao reagir com indignação, terminou rendido no chão pelo policial depois de uma briga física. Uma pequena multidão revoltada se aglomerou e protestava. “Não bate nele!” “Tá cheio de ladrão por aí, para que bater assim num trabalhador?” Um dos policiais sacou uma pistola carregada e a colocou na mira de civis desarmados. Carlos estava entre os que protestavam. Quando o policial se preparava para usar novamente o spray de pimenta, Carlos tentou impedi-lo. O policial atirou em sua cabeça.

Carlos deixa uma esposa, Cláudia Silva Lopes, e 3 filhos – o mais novo com 4 anos e o mais velho, 12. Cláudia relata já ter sido agredida grávida em abordagem passada da polícia, denunciando o quão comum é o abuso da força policial no cotidiano dos trabalhadores ambulantes.

O caso de Carlos Augusto foi um crime e uma tragédia. Mas não se engane com quem afirma que isso é apenas um caso isolado. O abuso de poder policial e o tratamento do ambulante como caso de polícia é uma situação sistêmica no Brasil.

O trabalhador ambulante é perseguido e acossado por levar o livre comércio às ruas. Inúmeros consumidores encontram, todos os dias, no trabalho e investimento deles, uma alternativa para satisfazer sua demanda por determinados bens e serviços. Trata-se de uma economia entre pessoas físicas, que acompanha as variações da demanda com adaptabilidade e flexibilidade. A vida de todos melhora com essa rede de trocas que, anualmente, movimenta centenas de bilhões de reais.

Contudo, para que este resultado seja obtido, grande parte do cotidiano dos trabalhadores ambulantes é dispendido em maneiras de contornar o estado, de evitar a repressão por seus agentes ou, pelo menos, tentar evitar que os investimentos e o fruto de seu trabalho sejam tomados. A polícia geralmente reprime ambulantes e camelôs sob várias justificativas: ausência de autorização, revogações discricionárias, a defesa da propriedade intelectual, ou o não pagamento de impostos.

O que mostra como o estado brasileiro é uma instituição contrária ao trabalhador e ao pobre.

Em um país cujo governo orgulha-se de uma detalhada regulação trabalhista para proteger o trabalhador, o fato é que esses trabalhadores na informalidade são vulneráveis ao aparato de repressão governamental, que confisca o fruto de seu trabalho ou os agride fisicamente, podendo chegar, como no caso de Carlos Augusto, à morte violenta. As autorizações de trabalho ambulante são concedidas a título precário pelas prefeituras, de modo que eles são vulneráveis a serem, repentinamente, proibidos de exercer seu trabalho.

Em um país cujo governo afirma recolher muitos tributos para satisfazer as necessidades do povo em termos de educação, saúde e bem-estar para alcançar uma sociedade igualitária, já está demonstrado que a carga tributária não somente onera proporcionalmente mais os pobres do que os ricos, como também pune principalmente mulheres e negros em relação aos homens e brancos. Diante disso, o comércio informal ajuda a aliviar parte dessa carga suportada pelos mais pobres e por grupos minoritários, mas o governo não aceita isso.

Aqui, trabalhadores como Carlos são frequentemente perseguidos, enquanto megacorporações como a FIFA se locupletam com privilégios estatais, como escrevi durante a Copa do Mundo.

Não bastassem todas essas injustiças, é muito provável que a morte de Carlos tivesse sido registrada como “auto de resistência” e não fosse investigada caso ninguém tivesse filmado o ocorrido. O auto de resistência é pouco mais que uma licença para matar. O registro da “resistência seguida de morte” cria uma presunção em favor da versão dos fatos do policial e o arquivamento de processos desse tipo é frequente. Não fosse a gravação e a multidão, Carlos teria virado mais uma estatística de auto de resistência.

A morte de Carlos Augusto não pode ser esquecida. Nenhum dos abusos do estado pode. Devemos a ele, não somente o julgamento do policial que atirou nele, mas também o fim do sistema perverso que trata o livre comércio e os trabalhadores brasileiros como um caso de polícia.

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