Recentemente, a revista Veja publicou uma matéria que tratava da ascensão do libertarianismo no cenário político dos Estados Unidos. Um dos entrevistados para a matéria foi o membro sênior do Centro por uma Sociedade Sem Estado (C4SS) Roderick Long.
Infelizmente, a menção de Roderick ao longo da matéria foi mínima, se limitando a uma frase um tanto descontextualizada. Assim, nós decidimos publicar a entrevista completa, que apresenta uma explicação mais equilibrada do papel dos libertários no cenário político americano e insere os libertários de esquerda dentro dessa discussão.
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1. O libertarianismo ganha relevância atualmente na cena política. Como você analisa esse fenômeno?
Acredito que a crescente popularidade do libertarianismo e a crescente atenção que recebe se devam em grande parte à ascensão da internet e ao deslocamento de poder causado por ela. A internet tornou possível a comunicação entre pessoas comuns de maneira horizontal, sem a necessidade da aprovação dos gatekeepers tradicionais da mídia convencional.
A campanha presidencial de Ron Paul também apresentou as ideias libertárias a uma nova geração. muitos dos que adentraram o libertarianismo através de Ron Paul já migraram para versões mais radicais e completas do libertarianismo.
2. Qual a importância do libertarianismo no cenário político atual dos Estados Unidos?
Se você se refere especificamente à política eleitoral, eu não acredito que o libertarianismo possua muita influência nesse contexto no presente. A retórica e os slogans libertários são muito populares entre políticos republicanos, mas ao analisar suas políticas em vez de suas palavras, percebemos que não são muito libertárias. Republicanos tendem a defender favores concedidos pelo governo às grandes empresas, não mercados genuinamente livres. Em outras questões — guerras, imigração, aborto, casamento homossexual, entre outras — eles defendem o aumento do uso da força do estado, não a liberdade individual.
Os republicanos posam de defensores do livre mercado para ganhar votos. Fingem proteger as pessoas do estado inchado da mesma forma que os democratas fingem proteger as pessoas das grandes empresas; na verdade, ambos os partidos apoiam a mesma parceria entre o estado e as grandes empresas, embora possam discordar um pouco sobre qual ala da parceria deva ter mais poder.
Porém, se compreendermos a política atual para além da política eleitoral — se falamos sobre argumentos e ideias, então, sim, o libertarianismo está se tornando muito influente. É possível percebê-lo pelo aumento de ataques ao libertarianismo. Por exemplo, há um site de inclinação democrata, o Salon.com, que publica artigos atacando o libertarianismo quase toda semana, de formas incrivelmente ignorantes. O establishment político costumava ignorar os libertários; o fato de que ele agora nos ataca é um sinal de que o libertarianismo está se tornando mais popular e, portanto, uma ameaça maior aos poderes estabelecidos.
Incidentalmente, da mesma forma que no mainstream político aumentam os ataques ao libertarianismo, dentro do movimento libertário aumentam os ataques à versão orientada à esquerda do libertarianismo representada por nosso grupo, o Centro por uma Sociedade Sem Estado (C4SS), pelas mesmas razões.
3. O libertarianismo pode ser uma importante corrente de pensamento na próxima eleição presidencial?
Eu presumo que quem for nomeado pelos republicanos para concorrer a presidente utilizará a retórica libertária para, por exemplo, se opor ao programa de saúde de Obama. Se essa retórica o ajudar a vencer, suponho que isso significaria que o libertarianismo influenciaria a eleição.
Mas, como eu já indiquei acima, duvido que qualquer indivíduo com ideias genuinamente libertarias tenha chances de ser nomeado pelos republicanos. Sobre a saúde, por exemplo, ambos os partidos querem que as decisões médicas sejam contorladas por uma parceria entre o estado e as grandes empresas e não por pacientes; quando os republicanos falam do livre mercado na saúde, o que eles querem dizer é que pretendem deslocar o centro de poder um pouco mais para as grandes empresas, não favorecendo um mercado competitivo.
O movimento Tea Party tem a reputação de ser a ala libertária do Partido Republicano, mas eu acredito que isso seja um exagero. São mais libertários em alguns aspectos, mas menos em outros.
Existe o Partido Libertário, que foi fundado em 1971, mas sua influência nunca foi grane. E, embora o movimento libertário esteja se radicalizando, o Partido Libertário tem se tornado mais conservador.
4. O Senador Rand Paul é apontado como um dos mais importantes defensores do libertarianismo dentro do Partido Republicano. Você concorda? Em que sentido o Senador Paul ou qualquer outro proponente do libertarianismo poderia influenciar a campanha presidencial republicana?
Não considero Rand Paul um libertário. Seu pai, Ron Paul, é um libertário, embora não seja plenamente coerente, na minha opinião. Rand Paul é um conservador com algumas tendências libertárias. Certamente é mais libertário que o republicano médio, tanto que eu acredito que ele teria muita dificuldade para ser nomeado pelo partido, embora ele sem dúvidas tenha uma chance maior do que a que seu pai teve.
5. Você poderia explicar de forma breve as origens do libertarianismo nos Estados Unidos? Com sua defesa forte e intransigente do mercado, o libertarianismo moderno é diferente ou próximo de suas origens?
No século 19, os precursores do movimento libertário americano foram anarquistas individualistas: pensadores como Lysander Spooner, Benjamin Tucker, Josiah Warren, Stehen Pearl Andrews, Ezra Heywood e Voltairine de Cleyre. Era um movimento de esquerda, na vanguarda do ativismo trabalhista, feminista, anti-plutocrata, antirracista e anti-guerras. Muitos se intitulavam “socialistas” para indicar que estavam ao lado dos trbaalhadores em oposição ao capital. Eram contrários ao “capitalismo”, que, para eles, não se tratava da propriedade privada dos meios de produção, mas da dominação pelas grandes empresas e do desempoderamento dos trabalhadores. Esses “socialistas”, porém, eram intransigentes defensores do livre mercado e oponentes do poder estatal; enxergavam o poder da classe capitalista como resultado de privilégios concedidos pelo governo, não da livre competição.
Infelizmente, no século 20 a ascensão do socialismo de estado empurrou os libertários para uma aliança com conservadores contra esse inimigo comum. Nesse período surgiram brilhantes pensadores libertários como Ludwig von Mises e Ayn Rand, que, embora contrários ao poder estatal, eram menos radicais que os anarquistas e mais dispostos a apoiar a guerra fria. Também tendiam a consideram as grandes empresas mais como vítimas do que como beneficiárias do poder do estado.
Durante os anos 1960, o libertarianismo americano começou a recuperar suas raízes anarquistas de mercado. No mesmo período, houve uma tentativa de recuperar suas raízes de esquerda, através de pensadores como Karl Hess, Samuel Edward Konkin III e, por um tempo, Murray Rothbard, que tentaram construir uma aliança entre os libertários e a New Left. Esses esforços chegaram ao fim com a implosão da New Left.
Ao longo dos últimos 30 anos, o movimento libertário tem se tornado tanto mais popular quanto mais radical, com a disseminação de suas posições anarquistas e anti-guerra. Contudo, o movimento manteve sua orientação de direita em outros aspectos, como em sua oposição instintiva a ideias pró-trabalho e pró-feminismo, por exemplo, e uma tendência a defender grandes empresas como se seu sucesso resultasse da livre competição e não de privilégios estatais. Isso, porém, começou a mudar um pouco na última década, com a disseminação de um libertarianismo mais próximo de suas raízes do século 19. Provavelmente o pensador mais influente nesse renascimento libertário de esquerda é Kevin Carson. Contudo, essa ainda é uma posição minoritária.
Traduzido para o português por Erick Vasconcelos.