O anarquismo individualista e a hierarquia
The following article is translated into Portuguese from the English original, written by Cory Massimino.

O anarquismo e a hierarquia têm um relacionamento complexo. Alguns anarquistas afirmam se opor a todo tipo de hierarquia (às vezes até definindo o anarquismo como tal) e outros afirmam que são apenas contrários ao estado e que não se importam com a hierarquia em si. Eu acredito que o anarquismo individualista caia entre os dois extremos.

O anarquismo individualismo, resumidamente, é a posição de que o indivíduo é a base da “sociedade”. Assim, em qualquer sistema político — ou, mais precisamente, qualquer não-sistema apolítico — que exista deve dar primazia ao indivíduo e respeitar sua soberania como ser livre. O não-sistema que melhor alcança esse objetivo é o anarquismo.

A hierarquia é “um sistema ou organização no qual pessoas ou grupos são ordenados acima uns dos outros de acordo com status ou autoridade”. Em alguns casos, esse tipo de sistema é inerentemente errado (ou mau); em outros, é permissível ou até mesmo bom; já em alguns, pode não ser inerentemente ruim, mas ainda é condenável.

A hierarquia é obviamente problemática e até imoral quando mantida através da iniciação da força. Como individualistas, defendemos a soberania do indivíduo e consideramos a autonomia de uma pessoa como fato moral extremamente relevante. A capacidade de exercer faculdades e capacidades próprias ao máximo de acordo com a própria volição é um direito individual de cada indivíduo (e já que toda pessoa tem esse direito, ele implica uma limitação para quando se impede as ações dos outros).

O ato de subordinar os objetivos dos outros pela força, substituindo-os pelos seus, é uma afronta à individualidade das duas pessoas e uma violação de seus direitos. O ato da agressão é imoral em si, mas um sistema hierárquico mantido pela agressão coloca certos indivíduos em sujeição a outros. Quando um é meramente um servo, obediente aos níveis mais altos da hierarquia, não há individualidade — algo a que obviamente nos opomos.

Isso leva o individualista a rejeitar o uso da violência e, portanto, o estado. O estado, ao contrário do que afirmam os teóricos do contrato social, depende da violência para manter seu financiamento e seu monopólio sobre o uso legítimo da força dentro de uma área geográfica. Os estados são sistemas de predadores agressivos e hierárquicos. São a antítese do individualismo.

Para muitos anarquistas, a propriedade privada é inerentemente hierárquica e, portanto, inadmissível. Estão apenas parcialmente corretos. Em certo sentido, a propriedade privada cria uma hierarquia entre o dono de uma propriedade e as demais pessoas. Contudo, a propriedade privada tem outros benefícios dignos de consideração. Não há motivos para restringirmos nossa análise à questão única da presença ou não da hierarquia. Há outros fatores moralmente relevantes.

A propriedade privada é útil por vários motivos, muitos deles com importantes consequências. Um sistema de propriedade privada cria uma sociedade próspera e rica que é capaz de alocar eficientemente recursos escassos. Adicionalmente, e de grande significância para o individualista, a propriedade privada é vital para a autonomia pessoa. Como escreve Roderick Long:

“A necessidade humana de autonomia: a capacidade de controlar a própria vida sem a interferência dos outros. Sem a propriedade privada, eu não teria um local no qual me localizar para chamar de meu; eu não teria uma esfera de proteção na qual eu pudesse tomar decisões sem as limitações da vontade dos outros. Se a autonomia (nesse sentido) é valiosa, então precisamos da propriedade privada para sua realização e proteção.”

Sem a propriedade privada, o escopo do indivíduo é restringido em favor da comunidade ou da sociedade. Enquanto individualistas, devemos nos preocupar com a maximização da autonomia de cada pessoa e, para isso, a propriedade privada é benéfica.

Além disso, a substituição da propriedade privada pela propriedade coletiva não elimina a existência da hierarquia, mas simplesmente desloca o nível mais alto da hierarquia do proprietário para a maioria coletiva. Sob a propriedade coletiva, aqueles que compõem a maioria podem decidir para que a propriedade deve ser usada e estão, portanto, em posição de autoridade em relação à minoria.

É digna de nota a questão dos pais e da família. O relacionamento entre pais e filhos é historicamente hierárquico. Contudo, sem entrar na esfera complicada dos direitos das crianças, a autoridade empregada pelos pais ao criar seus filhos não depende da força da mesma maneira que a força usada contra um adulto (em que ponto estabelecer esse limite é outra questão complexa). Embora existam exemplos do uso da força que sejam injustos, como o abuso físico, há outros que são justos, como forçar uma criança a comer seu jantar. Uma vez que a hierarquia entre pais e filhos aparentemente é benéfica para os envolvidos, os anarquistas individualistas não veem problemas com ela (para uma elaboração sobre a posição dos anarquistas individualistas sobre os direitos das crianças, veja a seção deste ensaio intitulada “The Rights of Children” — em inglês).

E quanto aos sistemas de hierarquia não-violenta? Muitos desses dependem da situação e do contexto específico, mas podemos dizer que, geralmente, a hierarquia, mesmo que “consensual”, é sempre potencialmente problemática para o individualista. Uma vez que consideramos a autonomia e o exercício das faculdades individuais como sumamente importantes, situações em que as pessoas se submetem voluntariamente à autoridade dos outros, criando uma hierarquia, podem ser condenáveis.

Considere o exemplo de uma pequena cidade em que todos, por um ou outro motivo, submetam voluntariamente suas propriedades à gerência coletiva. Pelos motivos explicados acima a respeito dos efeitos da propriedade privada sobre a autonomia, podemos dizer que uma cidade em que exista propriedade privada é preferível a uma em que haja propriedade coletiva. Então, como individualistas que valorizam a prosperidade e a autonomia, temos bons motivos para nos opor a uma cidade voluntariamente comunista — mesmo que seja apenas uma manifestação da vontade das pessoas, que estão tomando uma má decisão e deveriam adotar um sistema de propriedade privada.

Pelos motivos mencionados acima, a iniciação do uso da força é inadmissível para o individualista. Afinal, utilizar a força deveria ser o mesmo que sujeitar as pessoas à nossa vontade, o que é ativamente imoral e pior do que suas decisões voluntárias. Então, seria errado utilizar a força para impedir os habitantes da cidade de estabelecerem um sistema comunista voluntário.

No entanto, o uso de coisas como persuasão, campanhas educativas e boicotes é permissível e talvez estimulado (se são táticas efetivas e interessantes, é uma questão à parte). Reconhecemos que o comunismo voluntário é ruim para as pessoas envolvidas (e potencialmente ruim para outras, por motivos econômicos ou porque essas ideias podem começar a ganhar adesão e apoio) e que se sujeitar à vontade da maioria é um erro, então não faria sentido permanecer ambivalente sobre a questão.

Há também o conceito das propriedades comunais horizontalmente organizadas e autogeridas. São modelos diferentes da propriedade coletiva. Conjuntos de recursos comuns em que os direitos de posse do indivíduo são estritamente definidos têm uma probabilidade muito maior de proteger e estimular a autonomia pessoal e o individualismo do que o coletivismo total, apesar de serem possivelmente problemáticos, dependendo de como são estabelecidos.

A hierarquia no ambiente de trabalho é possivelmente condenável, mas não inerentemente. Ambientes de trabalho grandes e hierárquicos que tendem a tratar os trabalhadores como engrenagens em um motor ou ferramentas dos empregadores são claramente desalinhados com a filosofia individualista. Um ambiente de trabalho em que os trabalhadores dos degraus mais baixos são pressionados e tratados com pouco respeito devem ser condenados (de forma não agressiva) por aqueles que se preocupam com a autonomia e com o respeito pelas pessoas.

Isso não implica que toda hierarquia trabalhista seja má. Às vezes, ela pode ser preferível por motivos econômicos. Às vezes a hierarquia é mínima e os funcionários têm voz e são tratados com respeito. Ocasionalmente, a firma pode ser hierárquica, mas relativamente plana. Embora muitas das corporações gigantes de hoje em dia sejam contrárias às preocupações individualistas, nem todas as hierarquias do trabalho são inerentemente negativas. Há apenas o potencial para que sejam.

É um erro terminar a análise sobre o fato de que algo é ou não hierárquico. Da mesma forma, perguntar se algo é coercitivo e mais nada é problemático. O individualismo enxerga vários fatores como moralmente relevantes. A agressão e a liberdade negativa são importantes, sim, da mesma forma que a autonomia pessoal, a prosperidade e as boas consequências. Tanto a economia política quanto a filosofia moral requerem um pluralismo valorativo combinado com uma análise meticulosa.

A lição a ser aprendida sobre as hierarquias não-violentas é de que, como a maior parte das coisas na vida, ela não é inerentemente má, mas tem o potencial para sê-lo. Sistemas voluntários de hierarquia promovem uma cultura de obediência e coletivismo que podem levar a sistemas que dependem da violência. Desestimulam a individualidade, o livre pensamento e a autonomia. Por esses motivos, a hierarquia não-violenta não é inerentemente má para o anarquista individualista, mas sempre é potencialmente problemática e frequentemente condenável.

A posição anarquista individualista sobre a hierarquia está entre a ideia de que é sempre errada e de que nunca é. Às vezes é errada, mas em outras, não. Como afirmei anteriormente, o relacionamento entre o anarquismo e a hierarquia é complexo. Parte de ser um individualista é pensar rigorosa e exaustivamente nas questões por conta própria. Não há sempre princípios rígidos para pensar por nós, não importa o quão confortável seja o sofá onde sentamos para apontar o dedo para o mundo.

Traduzido por Erick Vasconcelos.

Anarchy and Democracy
Fighting Fascism
Markets Not Capitalism
The Anatomy of Escape
Organization Theory